quinta-feira, 18 abril, 2024

Como estavam enganados…

197…  ano é incerto. Mais de 40 anos se passaram pra mim e pouco mais tem o hip hop, quando falamos do hiphop mais organizado, mas sabemos que essa linha é tênue e por vezes, elástica. Fatos, pessoas e pensamentos foram antecessores destas datas mais antigas que conhecemos…

Os anos 50 e 60 fizeram alicerces para essa cultura que hoje é mundialmente conhecida.
Por exemplo, o DJ Kool Herc tocava vários sons diferentes naquela época: “Comanche”, do Trio Mocotó e “Bronx Nation Athen”, dos Bongo Bands, incluindo nesse contexto várias vertentes musicais, como o nosso bom e velho samba, que também influenciou Quincy Jones e Marvin Gaye (o disco Soul Bossa Nova mostra isso).

Paul Huphrey, grandioso baterista diz: – “Quando Gaye fez What´s Going On, ele usava a batida de samba invertida e isso mudou o jeito de fazer percussão e tocar bateria nos EUA.”, ou seja, ritmo como Samba, Bossa Nova, Reaggae, Soul, Rumba e Merengue, influenciaram muito o que chamamos de hip hop, porque a Rumba influenciou o modo como o break era dançado por latinos, teve total influencia nos primeiros “Top Rocks”, pois a Rumba imperava no Bronx antes do hip hop ser a febre local, e umas infinidades de coisas aconteceram antes mesmo de o termo hip hop ser inventado.

Aqui no Brasil os bailes eram chamados de hi-fi, gente como Mr Funk Santos, Dom Filó, Paulão Black Power e etc, faziam o que os Sound Systems faziam na Jamaica: música na rua, nos guetos, clubes, ou seja, no subúrbio… Equipes como “Uma Mente Numa Boa”, Makesom, Célula Negra, Tropa Bagunça e etc, movimentaram o esqueleto dos “blacks” do Rio de Janeiro, assim como Kool Herc e Bambattaa na sua época.

Por falar em Bambattaa, ele mesmo deu a formula de como uma cultura se expande rapidamente: – “Se eu conheço uma coisa nova hoje, amanhã tenho que ensinar a outro e assim a coisa vai se espalhando. O importante é estarmos sempre ensinando para os nossos irmãos o que aprendemos”.

No começo as coisas todas eram novas e a história ia se moldando sem ninguém saber ao certo o que estava acontecendo, era a história sendo feita, e dentro dessas história tinha uma que começou assim:

– Grand Wizard Theodore, na Boston Road, esquina com a 168, chacoalhou com as regras impostas pela máquina com um gesto, ele resumiu anos de manipulação sonora, uma coisa que reunia as teorias pós musicais de John Cage (o futuro da musica, 1937) e as experiências modernistas do francês Pierre Schaffer, metendo a mão no acetato preto, deformou o som à moda africana, através da percussão… Ele só tinha 14 anos.

E não se engane, achando que isso começou exclusivamente com os negros da cidade de NY. Não, não… A história é bem mais ampla. A Rock Steady Crew era formada quase toda por latinos de pele mais clara, não fazia a mínima diferença a cor da pele, isso porque o hip hop era uma coisa que incentivava a cultura para os menos favorecidos e dentro dessa ótica, os negros também. Quando você vê o filme Wild Style, você vê latinos, brancos e negros, tudo nessa época era voltada para a diversão, auto-estima.

O hiphop começou assim.

Muitos astros que hoje são reconhecidos como ícones, começaram em áreas diferentes, como Kurtis Blow que desde 1972 vem fazendo barulho, foi um dos primeiros MCs que ganharam disco de ouro, lá pelos anos 80, com a clássica “The Breaks”, mas ele era BBoy e depois começou a cantar , assim como vários MCs eram DJs.

Ou “KRS 1” que era grafiteiro, dizia ele que a grande alegria dele era ver um grafittii viajando por toda a cidade, nos trens de NY.

Dos primeiros MCs, surgiram os primeiros gritos de guerra, os primeiros combates de rimas, as primeiras tretas, no começo da década de 80 o hip hop já era uma febre no mundo todo, influenciando toda uma geração, misturando-se com outras culturas e dando voz a muita gente sem voz até então.

O rap virou a voz, por exemplo, dos latinos e da cultura Low Rider, que surgiu da pressão racial, social e econômica impostas pelos norte americano, assim carros velhos e desmontados eram reerguidos pelos chicanos, recapturando suas origens com seus símbolos astecas e católicos e enaltecendo as gerações passada, adotando os Zoot-Suits (aquela moda com bastante pano e exagerada) e os “droping mustaches” dos pachucos, e assim foi no México, em Cuba, no Japão, Europa, Brasil.

Um DJ japonês chamado Honda disse: – “Muitos seguem o rap dos States, mas eu sou um líder, não um seguidor”.

Em cuba onde quase todo mundo é pobre igual, uns trocaram a agressividade pelo otimismo e a cara feia pelo riso, versos pesados por discursos e crítica construtiva e outros (que eu pude ver na minha viagem a Havana) estão declarando guerra contra o regime de Castro”.

“Se o samba, o rap e o reaggae têm lugar em outros países, eles serão feitos em Cuba à nossa maneira.”, diz MC René.

Isso reafirma a raiz. Outro exemplo é Tatá, que disse: – “Já tive proposta pra fazer propaganda pra redes de fast-food e tal com meu carro, já fui procurado por grupos Pops pra colocar meu carro em vídeoclipes, sempre disse não; o que que eles tem a ver com o Low Rider?”.

E assim o hip hop foi crescendo e logo as empresas e os milionários de plantão começaram a querer uma fatia desse bolo.

Ao contrário da “disco” que usava roupa de seda e coisas afins, os pioneiros se viravam com agasalhos esportivos baratos e iam fazendo a cara, a moda, o Life Style, daí pra aparecer as grandes marcas foi um pulo, a Fubu (For Us By Us) começou com 4 manos e a hipoteca de uma casa, a Adidas aliou seu nome ao grupo Run DMC e de uma marca alemã virou tendência mundial. Hoje o hiphop fala muito de marcas…

Uma pesquisa antiga feita por uma empresa de consultoria, a Agenda inc. e divulgada no site CNN Money, canal de economia da rede CNN, revelou que a Mercedes Benz foi à marca mais citada em 2005, com mais de 100 citações. Em raps diversos, a Honda japonesa patrocinou uns shows do B.E.P… (que começaram dançando break) e um carro apareceu num dos seus clipes.

Falta uma outra pesquisa pra saber:

01 – se há um acordo entre empresas e rappers;
02 – se os rappers citam sem interesse nenhum;
03 – se as empresas pagam pra serem citadas.

Com o crescimento do rap, vários setores se agregaram ao novo conceito até porque essa cultura sempre foi ou deveria sempre ser amplamente democrática e aglutinadora. O que faz surgir novas frentes como o gangsta rap, leia isto:

– “Fomos derrotados, aniquilados, pegos de surpresa pela triste separação do rap, hoje o que existe não é o rap no qual eu iniciei, o que sobrou foi só um rap bizarro, completamente ignorante, degenerado socialmente, no qual os maiores astros são as armas e o sexo…”

– “No meu tempo o rap edificava, trazia informação e cumpria um papel, enquanto música. Hoje faz com que pensem que somos todas tristes caricaturas de gângsteres, ridículos aspirantes a bandidos, e isso é negativo.” eu assino embaixo falando do Brasil e concordando com Will Smith…

Quando o gangsta rap surgiu, logo ele conseguiu dividir as pessoas, uma guerra entre lados começou uma triste comparação com as gangs e facções.

M1, do Dead Prez, diz: – “O hip hop está tão maduro que está apodrecendo, hoje a fruta já brotou, houve um tempo em que não dava pra ver a fruta, só a semente”. “O hip hop está morto” diz Nas.

Muitos acham o rap a música mais decadente do mundo, mas a Zulu Nation, em suas normas diz que o hip hop prega a paz, a união, o amor e a diversão, visando afastar os jovens, em especial os pobres, de tudo o que é negativo – diz Nino Brown, da Zulu Nation Brasil.

“Hoje o hip hop mostra o negro exibindo poder com carros novos, cordão de ouro, armas de fogo e nunca com o mais importante, a arma mais poderosa do mundo: o livro”, diz Marcelo Yuka.

“A luta contra o preconceito racial não está tão explicita como já esteve”, disse Chuck D. “Elvis nunca significou nada pra mim e foi um herói pra muitos, o rock foi absorvido e controlado pelos brancos, que beberam da fonte negra, mas mantiveram o preconceito, ou seja, sugaram”.

Nós, brasileiros, agimos como se o preconceito não existisse, só estamos nos enganando, o que condiz com o que disse Malcom X: – “Cada homem branco lucra com o racismo, mesmo que não pratique ou acredite nele”.

O grupo Dilated Peoples sempre enfatizou temas como guerra, globalização, políticas globais e aniquilações. Muitos MCs são avessos à moda, contra a bundalizaçao dos vídeos, ao blim blim style, como os MCs do islã que falam disso e de Allah.

Nomes como Paris e Lakim Shabazz tem mais a falar sobre coisas relevantes do que só sobre tiros.

“Parte 1”, de São Paulo, diz que não aprendeu hip hop na escola, os discos ensinaram. Se ele conseguiu ensinar algo com os dele, vai continuar sendo hip hop (como já disse Chris Parker). Outro MC, o Arcanjo diz: – “Espero que pelo menos uma pessoa se identifique com o que estou falando, minha música fala muito de amor, está muito positiva”.

1970 e pouco… Surge um gigante, a mídia, aí padrões começaram a ser impostos e pessoas começaram a se moldar nos padrões, o que é perigoso, porque o lucro e a imagem cobraram seu preço. “As grandes rádios por serem comerciais não tiveram, nem tem compromisso com a cultura hip hop, muito menos com a música rap.”, diz Gil, do Bocada Forte.

“As rádios aqui no Brasil começaram a cobrar pra tocar a musica dita da periferia, isso é o dinheiro corroendo.”, diz Bone Dee.

Débora, radialista de São Paulo, diz que o gangsta rap é o perfil do programa “Espaço Rap” e não há espaço pra outro tipo de segmento e diz que 50% da programação é ela que faz e a outra metade são os ouvintes, mas quem escolhe mesmo é ela… Há também opiniões como a do sambista Ney Lopes, que considera o rap, uma coisa da moda.

Quando Bambaataa vislumbrou esse presente, ainda no passado, resolveu instituir um quinto elemento, que separadas as divergências pode ser resumido como a transmissão do conhecimento de forma positiva, aí sim começaram a surgir à didática do hip hop, os workshops, as oficinas, mas que segundo Mano Brown, de são Paulo, não servem pra nada, pois a pessoa tem que nascer com o dom e hip hop não se aprende em oficinas.

E rebatendo essa opinião eu penso que só de colocar uma nova perspectiva aos olhos de um jovem, as oficinas já começam a prestar o seu favor ao hip hop e a sociedade no geral…

E tem ainda muitas pessoas que fizeram e fazem seus papéis sociais mesmo sendo mundialmente famosas como o grupo Wu Tang Clan, de NY, que ajudou a Star Light Foundation, para jovens com doenças degenerativas, ou L.Ll. Cool jJ, do Queens, que em 1992 fundou a “Campcollj Foundation”, cuidando de muitos jovens, ou Coolio que dirigiu a “Heritage Foundation”, produzindo livros para jovens afro–americanos e Lauryn Hill que fundou a “Refugee Project”, organização pra ajudar crianças pobres.

Outro que deixou um legado, que hoje está nas mãos de sua mãe, foi 2 pac (77-96), que segundo o jornal Dayli News deixou na sua morte um patrimônio de us$ 100.000, um automóvel e um caminhão… Só… Mas depois de umas boas sindicâncias e auditorias, sua família conseguiu da “Interscope Records”, como parte dos direitos, a bagatela de US$ 5.000.000!

O que nos leva a criar várias teorias sobre sua vida e sua morte, pois mais livros e CDs foram feitos após ele morrer do que quando ele estava vivo, colocando no ar perguntas como: – Existe um trabalho secreto da policia em cima do hip hop?

Uma grande parte dos rappers acredita que sim, essa unidade da polícia é real e fatal (para maiores informações eu recomendo o documentário “Rap Street Hip Hop And The Cops”).

Quem matou 2Pac e B.I.G.? Ninguém sabe ao certo e por falar em Wallace, esse era sinistro mesmo, vendeu 2 milhões na estréia e quebrou um Recorde de 885.000 em uma semana, que estava nas mãos dos Beatles. A mídia quis, durante muito tempo, dividir o rap em dois lados, “west e east”, não conseguiram.

Hoje aparece o lado sul e Snoopy Dogg diz: – “Tem tanta merda sendo lançada no sul que até as merdas tocam, por serem do sul simplesmente por que são do sul… Eles tem feito muita coisa boa, mas muita merda toca também”, concordo.

Mas nem tudo é gangsta rap, um exemplo quase esquecido foi o rapper Domino, da área do Snoopy, em 8 semanas foi disco de ouro (Ghetto Jam-Def Jam), falando do gueto sem enfatizar a violência e diz: – “Alguns rappers incentivam a violência e colaboram para o aumento da criminalidade”.

A linda Laurin Hill diz: – “Cresci ouvindo canções que falavam da fraqueza humana, da chuva que esconde minha lágrimas, é o contrario de mim, soa tão bom, tão forte, tão mal, tão rico, tão perfeito… E ganhou entre outros prêmios 4 MTVs e 4 grammys e vendeu mais de 15.000.000 de cópias.

Essa postura (inovação ) nos afasta da mídia que movimenta o rap, como shows, programas de rádio e etc., diz o grupo Pentágono, de SP, e Xis diz que o rap não é pra galeria 24 de maio, tem diversos locais que não tem TV a cabo e o que tem é globo e SBT, infelizmente pra muitos, sempre fui lá e vagabundo vai “sofrer”.

Existe um forte discurso entre mídia e resistência, mas Rodrigo Brandão, MC do Mamelo diz: – “Do mesmo jeito que as antenas tem muita importância, as raízes também tem e se a árvore não tiver raiz não vai crescer, mas ao mesmo tempo se não tiver antena, pra captar as coisas novas, a cultura se torna anacrônica, vai perdendo o beat do tempo…

Existem 1001 fórmulas de estar na mídia, recusar a mídia e uma forma eficaz de estar na mídia, abusar da liberdade é outra e tem gente que trabalha no hip hop, nos bastidores, em prol das comunidades, como se viu em Beat Street e Krush Groove (filmes), é possível deixar a violência e o crime sem deixar as ruas, é possível se tornar um artista expressando experiências particulares, assim como surge a chance de desenvolver uma cultura única sem necessidades de retoques pra se tornar comercialmente viável.

E ultrapassando o limite do tempo, artistas como Bussy Bee, Cold Crush Bros, Treacherous 3, Fearlouss 4 e muitos outros estão gravando novos discos e grafiteiros estão fazendo mostras do nível dos maiores pintores clássicos dançarinos como: Sugar Pop, Poppin Taco, Shabadoo, Boogaloo Shrimp estão aí dançando e recebendo homenagens.

O rap sempre esteve na linha de frente das mudanças, sempre dando espaço, seja para o clima neo-hippie do De La Soul ou para o rap mais metafísico do GZA ou Gravediggaz, e isso desde a mistura de soul e funk com as batidas alemãs do Kraftwerk, o Eletro, o Bass Miami, que é a raiz de quase todo o batidão que se toca hoje no Rio de Janeiro, tudo é evolução.

Na década de 70, Theodore fazia o scratch e nos anos 2000 o DJ Q-Bert lançou um DVD com 28 nomes de scratchs.
Novas gerações se incorporam ao grosso caldo de idéias, estilos e atitudes o hip hop se expande como uma epidemia (EZN 2001) fazendo com que a Alemanha consiga reunir o mundo todo nos seus eventos de graffitti e breaking ou da Coréia apareçam BBoys mais famosos que muito a artistas pops da Ásia, ou na África, onde o hip hop apesar da pobreza generalizada consegue cobrir, com o véu da ostentação, uma boa parte dos olhos de um povo que esta no berço dos primeiros batuques do universo.

Hoje o hip hop está no Irã, nas cadeias, na Barra da Tijuca, nas igrejas, na TV e por aí vai…

Sorte nossa que existem griots modernos que contam e recontam as lendas e repassam as histórias de um tempo glorioso… E olha que muita gente disse que toda essa manifestação mundial, não passaria de uma moda, de um bando de desocupados barulhentos, e que não duraria até o próximo verão… Tshitshitshi…. Como estavam enganados.

Sobre Slow da BF

Além disso, veja

Los Aldeanos

Esse caras tem o flow, sabem usar a tecnologia linguística e a poesia difusa de forma inovadora.

Deixe um comentário