Categoria: Coluna

  • Lápis de cor, pinta o amor no coração dessa menina

    Lápis de cor, pinta o amor no coração dessa menina

    Se você é da Baixada fluminense e já frequentou algum sarau da região certamente já ouviu essa maravilhosa poesia. Ela é de um cidadão que há mais de 35 anos milita pelas praças e bares de Nova Iguaçu particularmente mais presente em Morro Agudo (e não Comendador Soares) com sua inconfundível poesia e carisma e é o dono da estória de hoje.

    Quando cheguei à Morreba ainda na década passada conheci Antonio Ribeiro Feitoza. Cearense que veio para o Rio de Janeiro ainda menino com o sonho de viver e ser reconhecido por sua arte. Militou pelas praças do bairro com amigos até hoje inseparáveis, participou dos encontros intelectuais e artísticos de uma Baixada que a grande maioria das pessoas de fora desconhecem ou mesmo ignoram, mas que nos últimos anos vem tomando uma força imensurável, figurando entre a jornais, revistas e programas de Tv do país. Sentar ao lado desse poeta que inclusive já esteve participando sua produção literária com ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores homens da cultura no Brasil, é garantia de bom humor e humanidade, marcas registradas desse educador em tempo integral.

    “Totó” como é conhecido tem um imenso carinho pelo trabalho com as crianças, a frase que abre essa estória de hoje é a prova disso. O poema “Lápis de cor” faz alusão ao amor infanto juvenil, à idade das descobertas e do lirismo. Se você recitar apenas o início dele às crianças do CIEP 172 onde “ Tio Totó” é animador cultural certamente irá ouvir a segunda parte do mesmo.

    Propagador da educação humanista, o maior defensor do CIEP´s depois de Darcy Ribeiro, visualiza nas crianças a possibilidade de uma cidade melhor e inspira muitos outros colegas de profissão com sua arte e entusiasmo infinito, arte essa que já passou pelos mimiógrafos analógicos da década de 1980 e chegou à internet do século XXI, servindo de inspiração para muita gente boa.

    Salve a poesia e o amor de Antonio Feitoza! Mestre da alegria da Baixada fluminense!

  • Num Intendi

    Num Intendi

    É sabido, não só pelos ativistas dos direitos dos pretos que o acesso dos tais às universidades é dificultado por uma série de fatores [tanto que foi preciso a criação de cotas].

    E por qual motivo se luta para a nossa inserção nesse meio?
    Porque também é sabido que os que não têm formação superior são tratados como um indivíduo de “menos importância”.

    Alguém poderia me responder então, por qual motivo que os promotores de eventos relacionados a essa temática só convidam palestrantes com nível universitário para comporem suas mesas? Não seria essa a mesma discriminação que os pretos sofrem por parte dos brancos racistas?

  • A estória das pessoas

    A estória das pessoas

    A estória começou há muito tempo atrás. Era século XIX, num lugar próximo daqui que não se pode precisar o nome, mas era no Brasil. Estava próximo o fim da escravidão e aquele jovem homem maltratado pelo tempo e pelo trabalho pesado não conseguia imaginar o futuro longe de sua amada, linda, mesmo sofrida, com um sorriso fora do comum.

    Eis que a alforria chegou, foi festa de arromba mesmo sem mantimentos, alegria por estar livre, mas, para onde ir?

    Jogados à própria sorte, foram parar na parte mais alta da cidade, uma subida íngreme onde com barro e pedaços de madeira construiram seu barraco. Comiam vegetais que sabiam cultivar, usavam lenha como combustível, não conseguiam proteínas animais.
    Cansado de tanta pobreza ele foi a luta; desceu o morro, mas foi perseguido pela polícia, pois sem sapatos era enquadrado por vadiagem. Deixou a nega grávida, nem ele mesmo sabia.

    Ela soube pouco antes de parir que seu amado havia sucumbido. Desesperada e com o filho no colo não teve alternativa, com sua beleza conseguia alguns trocados, voltava a casa para alimentar o filho, que ficava com a vizinha igualmente desafortunada, mas que tinha um companheiro estivador. Era onde comiam carne, fruto de alguns desvios do cais.

    Seu filho; cresceu; formou família, não foi a escola, era impossível. Um ciclo que se repetia com pobreza e tragédias, furtos e submissão.

    Em sua atual geração essa herança esta na Presidente Vargas, o “Di Menor” atual se alimenta com pequenos furtos, em geral de celular, que vende para comer pastel, sua favorita refeição.

    Um dos irmãos foi morar em Nova Iguacu com a avó paterna. O menino consegue ir à escola, que é para ele a maior alegria, em várias gerações, ele é o primeiro a completar o ensino fundamental.

    Dia desses ele até apareceu na TV. Me contou que ficou muito feliz nesse dia, pois ganhou um copo de suco, comida gostosa, salgadinhos e ainda vai ficar famoso!

    E tem gente que quer mudar o destino desses meninos. Mas quando assumem o poder eles mudam de ideia.

    A revolução só existe até a véspera.

  • Seres Sexuais

    Seres Sexuais

    O problema em torno da sexualidade alheia, no “nosso tempo”, teve início na “Revolução sexual”, quando os indivíduos começaram a expor suas intimidades.

    Daí em diante, o que era “liberdade” fortaleceu ainda mais a discriminação, pois a todas as distinções que já existiam, somou-se mais uma.  Dona Maria, por exemplo, agora também é identificada como hetero ou homossexual, além de ser mulher, parda, nordestina.

    O que ganhamos com isso?

    Tenho certeza de que se todo o indivíduo se visse, e fosse visto “simplesmente” como um ser humano, e não também como um ser sexual, teríamos menos conflitos.

  • A estória das pessoas: Dudu de Morro Agudo

    A estória das pessoas: Dudu de Morro Agudo

    Olá!
    Para contar quem é o personagem da estória de hoje, primeiro citarei Muhhamed Yanus, prêmio Nobel em 2006 e que é um cara ligado na utopia de construir um lugar melhor. As palavras de Yanus são as seguintes:

    “Uma questão essencial está na ideia de emprego. Quem disse que nascemos para procurar emprego? A escola? Os professores? Os livros? Sua religião? Seus pais? Alguém colocou isso na cabeça das pessoas. O sistema educacional repete: ‘você tem que trabalhar duro’. Seres humanos não nasceram pra isso. O ser humano é cheio de poder criativo, mas o sistema o reduz a mero trabalhador, capaz de fazer trabalhos repetitivos. Isso é vergonhoso, está errado. As pessoas precisam crescer sabendo que é uma opção se tornar empregado, mas que existe a possibilidade de ser empreendedor, seguir o próprio caminho. É arriscado, incerto, há frustrações, mas é bem mais estimulante. Arrumar emprego é o que é seguro, garantido. Mas sua vida será limitada ao que decidirem por você.”

    Aprender a questionar é sem dúvida a maior libertação que um homem pode ter em sua vida. A dúvida, a incerteza, expectativa, todas são combustíveis para a criatividade. Outro grande homem, agora da cultura, teve o seguinte questionamento: “Se tudo tem escola, por qual motivo o Samba não tem?”

    Essa dúvida fez com que Ismael Silva, em 1928, fundasse a “Deixa falar” que desfilou pela primeira vez no carnaval de 1929, ao observar, segundo alguns contadores de estória, a escola normal no bairro onde morava.

    Anos mais tarde surge a primeira escola de Rap. Ela aparece em Morro Agudo e o seu idealizador é a estória de hoje.

    Dudu de Morro Agudo
    Dudu de Morro Agudo

    Flávio Eduardo, “Cabeça” ou simplesmente Dudu de Morro Agudo, é mais do que conhecido aqui no portal, afinal, sem sua lição magnífica de empreendedorismo eu nem estaria escrevendo essa coluna e a nossa vida seria bem menos interessante. Esse cara resolveu seguir os conselhos de um vendedor de picolé em Copacabana, que o esculachou em plena praia, por segundo ele ser um “preto amarelado de escritório”, um cara que não pegava sol, levava esporro do patrão, não via o pôr do sol e não era feliz, só para ter carteira assinada e horário fixo!!

    É complicado escrever a estória de um amigo como ele, pois a mesma já foi contada em seu livro “Enraizados: os híbridos glocais”, da coleção Tramas Urbanas, no ano de 2010. Esse cara da periferia, líder desde criança, já teve, como todo jovem brasileiro, exilado, negro e de família com poucos recursos, a necessidade de ter que trabalhar pesado para conseguir dinheiro, já quase foi preso (ele mesmo conta isso hein!), já xingou o patrão, mas teve na arte a força e a qualidade de mobilizar, profissionalizar e entreter milhares de pessoas pelo mundo a fora.

    Fora aqueles que suas ideias e projetos, principalmente na Baixada Fluminense, conseguiram salvar de caminhos tortuosos que normalmente são oferecidos a esses jovens.

    Hoje, todas as classes sociais, muitos territórios inimagináveis e muitos prêmios foram conquistados. O Enraizados, organização não governamental criada em 1999 como “Movimento Enraizados” dialóga com pessoas de todo o mundo, trocando experiências, produzindo ideias e realizando diversas coisas bacanas.

    O Take Back The Mic, uma espécie de “Copa” mundial, coroou seu grupo de rap #CombOIO com o primeiro lugar, conquistado ao custo da mobilização gigantesca na rede mundial de computadores e do talento de Léo da XIII e Marcão Baixada, dois outros caras fenomenais na arte dos “quatro elementos”, e deu uma enorme visibilidade não só a arte, mas também ao bairro que Dudu carrega no nome artistíco, que é Morro Agudo (por sí só resistência, já que Morro Agudo também tem o nome de Comendador Soares, em homenagem ao grande proprietário de terras que no século XIX doou parte de sua área ao Império para a passagem da estrada de ferro que liga Japeri à Central do Brasil, mas que contudo os moradores mais antigos não adotaram, sendo hoje, por isso, adotados os dois nomes pela prefeitura de Nova Iguaçu, município onde se baseia o movimento).

    Atualmente Dudu trabalha o #RapLAB, que é “uma metodologia desenvolvida para auxiliar no desenvolvimento cognitivo dos jovens, utilizando o rap como uma ferramenta educacional que permite trabalhar com a inovação tecnológica, a criatividade e a dinamização simultâneamente”, uma forma muito bacana de fazer as pessoas, principalmente os jovens, se unirem em prol da construção de um produto artístico, ainda mais quando utilizado nas escolas, tradicionalmente apoiadas nos princípios tecnicistas onde a hierarquização do aprendizado mata boa parte da criatividade.

    Hoje, casado com Fernanda Rocha, outra guerreira fantástica, mais tranquilo e experiente segundo ele, Dudu é um grande exemplo, e uma grande estória que deu certo.

    É… aquele vendedor de picolé é um cara que merece muito o nosso respeito!
    Sorte de Morro Agudo ter um cara como o Flávio!

    E se você leu esse texto é porque gostou da parada!!!!

  • Zamba: 40 anos de escravidão

    Zamba: 40 anos de escravidão

    Pra quem viu o filme “12 anos de escravidão” e ficou impressionado/revoltado – assim como eu, precisa ler o livro “A vida e aventuras de Zamba, um Rei Negro Africano”. 

    Eu tenho que admitir que não conhecia a história de Zamba Zembola, um príncipe africano que escreveu sobre os 40 anos que ficou escravizado. Só fiquei sabendo da história após um desafio feito pelo projeto #RapLAB, o qual coordeno, onde pedi para que os jovens batizassem um dos personagens.

    Um dos participantes do desafio, o jovem Gabriel Rangel, sugeriu o nome Zamba. Nós da produção gostamos da sonoridade do nome, e também gostamos por que de alguma forma este nome nos remetia à África, mas realmente não sabíamos de quem se tratava, acredito que nem o próprio Gabriel sabia.

    Como de costume, comecei a pesquisar sobre o nome, para ter um argumento na hora da defesa. Num primeiro momento, minhas buscas não me levaram a lugar nenhum. Contudo quando me aprofundei um pouco mais, me deparei com um pequeno texto falando sobre o jovem príncipe do Congo.

    Tentei organizar um pouco o texto para compartilhar com vocês. Leia abaixo.

    Zamba Zembola

    Zamba foi um príncipe nascido em 1780, filho de um rei de uma pequena comunidade do Congo. Foi capturado durante uma de suas viagens para a América e então vendido como escravo, trabalhou por 40 anos como escravo em uma fazenda em Carolina do Sul, e neste período escreveu sua autobiografia narrando seu sequestro e os anos de sofrimento.

    A obra, cujo o nome é “The Life and Adventures of Zamba, an African Negro King” (A vida e aventuras de Zamba, um Rei Negro Africano) só foi publicada em 1847 por Peter Neilson, um abolicionista escocês.

    Infelizmente o livro só está disponível em inglês, e encontrei na Amazon por uma bagatela de US$137,59 [Compre aqui] ou se preferir, tem de GRAÇA no Google Books, presente do tio Dudu 🙂 >>> http://bit.ly/1IUVDzs

  • A estória das pessoas: Cleber Gonçalves Pacheco

    A estória das pessoas: Cleber Gonçalves Pacheco

    Olá amigos!
    Essa é a minha primeira e já inesquecível participação no site do Enraizados e vou contar pra vocês como será o meu projeto por aqui. É claro que primeiro tenho que me apresentar!

    Meu nome é Cleber Gonçalves Pacheco, nascido há 37 anos na cidade fluminense de São Gonçalo, distante 30 km da capital do Rio de Janeiro. Nascido de pai e mãe maravilhosos e humildes, já morei em tanta casa que nem me lembro mais.

    Passei maior parte da infância e vida na cidade de Maricá, também no Rio de Janeiro. Quando terminei o ensino médio arrumei um trampo numa lanchonete e posteriormente passei para a Univerdade Federal Fluminense, onde cursei geografia, tendo me formado em 2003.

    Minha ligação com o Enraizados começou em 2010. Ná época eu já lecionava pela Secretária Estadual de Educação, no CIEP 172, em Morro Agudo, e fui convidado pelo Antonio Feitoza para fazer um passeio maravilhoso pelo Rio de Janeiro com os alunos da escola. O destino era o teatro Sérgio Porto.
    No caminho eu já senti qual seria, e vi que a parceria com essa galera poderia mudar o lugar que tanto aprendi a gostar, mas que de certa forma permanece exilado dos aparelhos culturais e da própria cultura urbana.

    “Como foi importante ver a alegria da galera “viajando” para fora do seu habitat”.

    Em especial nunca esquecerei da Ingrid, uma aluna muito dedicada e que durante a viagem de aproximadamente 40 minutos avistou a estátua do Cristo Redentor e chorou. Quando perguntada sobre o motivo do choro, ela respondeu: “- Eu sempre vi pela tv ou em fotos professor, não sabia que era tão linda!”. Ganhei o ano inteiro de trabalho!

    Lá assistimos ao espetáculo montado apresentado por Slow da BF e Dudu de Morro Agudo. Nunca mais paramos de fazer trabalhos juntos e hoje cá estou para contar um pouco da minha estória (isso aí, com “E” mesmo!) e a de quem mais permitir que eu conte!

    Pra mim, a coisa mais rica que cada pessoa tem é a sua própria estória. Umas são lindas, outras tristes, mas todas muito importante. Um professor de história deveria sempre ao meu ver, primeiro aprender a estória dos seus alunos, para depois contar a estória dos vencedores que permeiam a história.

    Ia ficar bem mais fácil viver!

    Salve gente boa!

  • Agravantes

    Agravantes

    Um menor de idade ou um deficiente mental são considerados “menos consequentes”, por esse motivo são tratados com um rigor menor pela justiça caso cometam um delito.
    A lei brasileira aplica pena maior ou menor para um crime baseada em certos agravantes, um desses agravantes é a “premeditação”, outro é, a “formação de quadrilha”, por exemplo.
    Faço então uma pergunta: Quem tem mais capacidade para premeditar ou organizar uma quadrilha, o indivíduo mais ou menos instruído?
    Subentende-se que um indivíduo com formação acadêmica superior tem mais aptidões intelectuais para realizar uma ação criminosa. Levando em conta a lógica de: “Mais discernimento”, “mais responsabilidade”, por que alguém com curso superior tem direito à cela especial? Não deveria ser o contrário?
    Enfim, creio que o fato de um criminoso ter um diploma de curso superior, deveria ser contado como um agravante, e não como algo que lhe rende um benefício.
  • Vladislauro, o Peregrino

    Vladislauro, o Peregrino

    Numa cinza tarde de outono o caramujo Vladislauro, ou simplesmente Vlad, fartou-se de sua vazia existência e decidiu deixar o brejo onde habitava.

    Encheu sua concha de dúvidas, sobretudo de esperanças, e aguardou sua amiga Aza Léia, uma marreca que de vez em quando o visitava. Vlad foi seduzido pelas magníficas histórias que essa ave migratória lhe contava a respeito de pessoas e lugares que conheceu, mas interessou-se principalmente por certo fenômeno chamado amor, que segundo Aza Léia, era a única coisa que podia encher o vazio existencial. E lá se foi agarrado no dorso de Aza Léia em busca daquilo que poderia torná-lo pleno.

    […] interessou-se principalmente por certo fenômeno chamado amor […]

    Ao sobrevoarem a cidade ele ouviu ao longe alguém cantando: “Eu te amo, meu amor, eu te amo, meu amoooooor…”. Vladislauro então pediu a Aza Léia que fizesse uma escala num imenso pé de Jerivá que ficava bem em frente a janela do apartamento onde um papagaio com o tornozelo preso a uma corrente fazia estripulias vocais. Vlad exultante falou: – Poxa… Foi mais fácil que imaginei alcançar meu objetivo, pois com certeza o “loro” sabe do assunto!

    No entanto, foi interrompido por um esquilo que estava num galho acima: Balela, balela, ele só está repetindo um hit que toca diariamente no rádio, na realidade ele é um ingrato que belisca o dedo de quem vem lhe alimentar!

    Frustrado, Vlad perguntou ao tal esquilo se ele conhecia alguém que pudesse lhe ajudar, ele respondeu que seu primo de terceiro grau vivia falando que no Sul havia um coelho chamado Formoso, e que ele era expert na arte do amor. Vladislauro animou-se novamente e pediu a Aza Léia que continuassem a viagem, no entanto ela desculpou-se e disse que não poderia levá-lo, pois naquela época não havia comida por lá, e que ele teria de fazer uma conexão. Nesse exato momento veio um macaco pulando de galho em galho cantando: – “Vou pra Porto Alegre, tchau…”.
    Sem que o símio percebesse Vlad enrolou-se em sua cauda e seguiu sua jornada.

    […] o Sul havia um coelho chamado Formoso, e que ele era expert na arte do amor […]

    Chegando lá, foi logo ter com Formoso, um coelho que fazia grande sucesso entre as fêmeas de sua espécie, antes que Vladislauro dissesse algo ele foi logo falando: Já sei, és mais um que veio aprender a arte do amor, certo? Tome nota: – O amor se manifesta sempre na minha toca quando copulo, He, he! Já fiz mais de oitenta filhotes, haja amor, não é mesmo?

    Vlad discordou, não acreditou que um fenômeno tão especial se resumia somente em sexo.

    Irritadíssimo, Formoso esbravejou: – Quem és tu caramujo para discutires comigo? Tá parecendo aquele gambá metido… É, aquele pândego chamado Quincas, que pensa que entende mais da matéria do que eu, dá licença, voltarei para minha toca para continuar amando!

    Desapontado Vlad sentou-se num canto, até que surgiu uma cobra e perguntou-lhe o motivo da tristeza, depois de Vlad explicar toda a história o réptil em questão compadeceu-se e disse-lhe que conhecia alguém que poderia ajudá-lo e faria essa conexão. E sobre aquele áspero couro, Vladislauro deu sequência a sua peregrinação.

    Chegando ao tal logradouro, Vladislauro ouviu música alta e risadas, de cara veio em sua direção um gambá cambaleante, após a cobra lhes apresentar, Vlad foi direto ao ponto: – Podes explicar-me o que é o amor?

    […] – Podes explicar-me o que é o amor? […]

     

    Com a língua meio enrolada Quincas respondeu: – Olhe ao seu redor e veja quanto amor, quantos amigos, sempre que faço festas eles estão comigo… Antes de completar sua “elucidação” Quincas caiu de tão bêbado, seus “amigos” caíram na gargalhada e não lhe prestaram socorro, novamente Vlad não conseguiu associar o tal fenômeno esplêndido aquela situação.

    A menos embriagada da festa era uma porca que estava de canto e o abordou: – Oh caramujo, estás procurando o mesmo que eu, parei aqui só para beber algo, mas já estou de saída, que tal irmos juntos? Conheci alguém, que conheceu alguém, que conheceu um cão lá das bandas do Leste, seu nome é Amadeu, e esse sim entende de amor.

    Com o animo renovado o obstinado Vlad fez outra conexão, agora a bordo da tal porca.

    Ao chegarem ao destino, Vladislauro viu um cão sendo surrado por seu dono, acertadamente, deduziu ser o tal Amadeu. Quando o agressor retirou-se, aproximaram-se do cão e Vlad perguntou: Quem é este desalmado? Com os olhos ainda úmidos e a voz embargada Amadeu respondeu-lhe: Ele é o meu amigo!

    Amigo? Indagou Vlad. Continuou Amadeu: – Amar apenas quem lhe faz bem é fácil, até o pior dos seres é capaz de fazer isso. O amor não é baseado em sentimentos, sim em práticas. Quando eu estava apanhando intentei mordê-lo, mas jamais farei isso, pois sou o melhor amigo do homem!

    Vladislauro então abriu um sorriso de contentamento e teve a certeza de ter achado a resposta que tanto procurou, e entendeu que havia chegado a metade da sua peregrinação, metade? Sim!

    Pois ele retornaria ao seu habitat refazendo todas as conexões que lhe levaram até ali, para explicar a cada um deles o real significado desse fenômeno chamado amor.

    Átomo – 03.05.15 – Tema “Conexão”

  • Pretérito

    Pretérito

    Geralmente começamos a nos conscientizar a respeito de nossa raça através dos livros. Que mal há nisso? Nenhum! Muito pelo contrário. Queria eu que tivéssemos mais interesse e acesso a nossa história.

    Porem há uma ressalva, apesar de estudarmos a fundo a vida dos grandes líderes e revolucionários, somos quase que totalmente ignorantes quando se trata da história de nossos pais e avós.

    Minha mãe, por exemplo: Mulher, preta, nordestina, solteira e com baixa escolaridade. Criou três filhos tendo de arcar com aluguel e todos os demais itens básicos para a nossa subsistência. Certamente ela sofreu muito preconceito e descriminação, mas conseguiu passar pelo pior sem ter que apelar para nenhum “ato indigno”.

    Qual valor damos a essas histórias? Quando a contamos? Quando nos influenciamos por elas?

    Os feitos de Zumbi dos Palmares são indiscutivelmente relevantes, mas temos histórias tão relevantes quanto essas, levando em conta o contexto da época que elas se deram, e para acessá-las, não precisamos comprar livros, ingressos e nem assistir palestras, precisamos apenas olhar para trás.