A 6ª edição aconteceu como parte das comemorações dos 54 anos da Ceilândia
Por DJ Fábio ACM e Giovana Gomes
Era um sábado de previsão de chuva, mas Ceilândia decidiu que o tempo seria outro. As nuvens se seguraram e deram espaço para o brilho do sol, da rima, da batida e do povo. Na Praça do Cidadão, coração pulsante da quebrada, o 6º Festival de Hip Hop do Cerrado tomou forma como um reencontro histórico — e eu, DJ Fábio ACM, tive a honra de estar lá, vivendo cada momento.
Gente de todas as regiões do Distrito Federal se juntou naquele chão sagrado do Hip Hop. Não era só um festival. Era um chamado. Um ato de celebração, resistência e pertencimento. Ali, os quatro elementos estavam em comunhão: os b-boys e b-girls dançavam no chão, rolaram até os clássicos “passinhos”, MCs rimando, os DJs comandando a festa e o graffiti, nas paredes do Jovens de Expressão estampava a alma da Ceilândia.
O camarim não era apenas um bastidor — era um terreiro de afeto, onde a energia entre os artistas era de verdadeira congregação. Ali, cada olhar, cada abraço e cada conversa trazia a certeza de que estávamos fazendo parte de algo maior. Estávamos continuando uma história, escrevendo mais uma página de luta, arte e identidade periférica.
DJ Fábio ACM & DJ Raffa Santoro
No centro de tudo isso, um nome: DJ Raffa Santoro. Um dos maiores nomes do Hip Hop nacional. Produtor premiado, DJ de respeito, mestre e inspiração. O culpado — sim, culpado com orgulho — por revelar tantos talentos e por, mais uma vez, reunir o Brasil do Hip Hop na Ceilândia. Ele, filho do maestro Claudio Santoro e da bailarina Gisele Santoro, é a soma perfeita de técnica e paixão. Viveu o exílio com a família na Alemanha, mas voltou pra Brasília e fez da cidade sua bandeira. B-boy, músico, radical, popular, periférico. Raffa é parte viva da nossa história. Seu livro “Trajetória de um Guerreiro” não é só um relato biográfico, é um documento do Brasil que rima, dança, canta e resiste.
E resistimos. Após 11 anos de pausa, o Festival de Hip Hop do Cerrado voltou. E voltou gigante. A 6ª edição aconteceu como parte das comemorações dos 54 anos de Ceilândia — a capital do Hip Hop do DF, berço de grupos como Viela 17, Cirurgia Moral, Álibi, Câmbio Negro, Tropa de Elite e lendas como Japão e DJ Jamaika. Essa cidade, que transformou a dor em arte e a periferia em potência, merecia — e recebeu — um evento à altura.
A Praça do Cidadão virou palco de um espetáculo que reuniu Viela 17, Atitude Feminina, MC Marechal (RJ), Cinthia Savoy (baiana radicada em Florianópolis), F-Dois (Porto Velho, RO), VK (MC de Florianópolis, filho do DJ Monkey), DJ Buiu, DJ Monkey e, claro, ele: G.O.G. — lenda viva do Hip Hop do DF, um dos momentos mais esperados da noite, e que levou o público ao delírio com sua presença.
O festival contou com estrutura de alto nível: painéis de LED, experiências multimídia, lounge, food trucks e entrada gratuita. E mesmo com os ingressos esgotados, o público compareceu em peso. Foi emocionante.
Do palco, vieram as rimas, as batidas e os scratchs. E também vieram as lembranças. Em um dos momentos mais marcantes da noite, o festival prestou homenagens póstumas a dois ícones que já partiram, mas seguem vivos na história do Hip Hop brasileiro: DJ Celsão, do grupo Cirurgia Moral, e DJ Jamaika. A reverência foi justa, merecida e comovente. A memória deles vive em cada batida, em cada verso, em cada jovem que hoje ocupa o microfone e o toca-discos.
Eu estive lá com minha amiga Giovana Gomes, que além de parceira de trampo no jornalismo, é apaixonada por Hip Hop e ajudou a trazer um pouco do protagonismo das mulheres no Hip Hop do Distrito Federal.
A mulher no Rap
Por Giovana Gomes
O rap do Distrito Federal tem sido palco para vozes femininas que transformam realidades e inspiram novas gerações. No Festival Hip Hop no Cerrado, mulheres que moldaram essa cena reafirmaram sua força e legado. O grupo Atitude Feminina, que há 26 anos ocupa espaços no Hip Hop com resistência e autenticidade, teve uma participação marcante. Aninha, uma das idealizadoras do festival, relembra os desafios do início: “Os caras naquela época não queriam a gente”. Mas elas seguiram firmes, construindo um caminho sólido para outras mulheres na música. Helen, também integrante do grupo, resume o impacto de sua trajetória: “Se eu tiver tocado uma mulher, para mim é suficiente”, diz, emocionada.
Giovana Gomes, Hellen e Aninha (Atitude Feminina)
Além delas, Cintia Savoy também brilhou no evento, trazendo sua mistura de reggae e rap e reafirmando a potência das mulheres na música urbana. Ex-residente de Ceilândia, Cintia sente a conexão do público com sua arte e valoriza cada troca com quem a escuta. “Sei que Brasília ama o rap, e a Ceilândia é um berço de grandes artistas”, comenta. Com anos de estrada, ela mostra que a música não é apenas entretenimento, mas um instrumento de transformação social. O Festival Hip Hop no Cerrado foi mais uma prova de que o rap do DF segue vivo, forte e, cada vez mais, feminino.
Um pouco da história e da presença dos artistas de outros estados no palco do festival:
F-Dois (Porto Velho, Rondônia)
Diretamente de Porto Velho (RO), o rapper F-Dois celebrou sua participação no 6º Festival de Hip Hop do Cerrado, na Ceilândia, destacando a importância e abrangência do evento, que reúne artistas de todo o Brasil. Ele também esteve presente na 5ª edição e considerou mais uma vez uma experiência única, elogiando a energia do público e a organização do festival. F-Dois ressaltou sua parceria com DJ Raffa Santoro, produtor de todas as suas faixas, incluindo “Quem é Você”, do álbum Pronto para Guerra, disponível no Spotify.
DJ Monkey
Diretamente de Florianópolis, DJ Monkey celebrou sua participação no Festival de Hip Hop do Cerrado, na Ceilândia, ao lado do filho, o rapper e produtor VK. Para ele, foi emocionante unir gerações no palco e compartilhar a caminhada com artistas como Japão e DJ Raffa, que foi peça-chave para abrir portas para VK. Monkey destacou os desafios de se fazer Hip Hop em Santa Catarina, estado com cultura eurocentrada e baixa população negra, e exaltou a importância da Ceilândia como referência para o movimento.
Iniciando sua carreira em 1992, Monkey contou que seu primeiro disco para scratch foi o DJ Scratch, produzido pelo DJ Raffa. Hoje, ele e VK gerenciam um estúdio musical em uma escola de São José (SC), atendendo 120 crianças em contraturno escolar. VK é também o primeiro rapper de sua geração no estado a cursar licenciatura em música pela UDESC. Para Monkey, o Hip Hop vai além da arte: “é ferramenta de transformação social e intergeracional.”
MC VK (Florianópolis, SC)
Com 19 anos, VK iniciou sua trajetória no rap aos 12, influenciado pelo pai, DJ Monkey, e pelo convívio desde a infância com estúdios e artistas em Florianópolis. Em sua fala no palco do 6º Festival de Hip Hop do Cerrado, na Ceilândia, destacou os desafios de fazer rap em Santa Catarina, um estado marcado pela cultura eurocentrada e com poucos espaços para a cena negra. Mesmo assim, ressaltou a qualidade e resistência dos artistas locais.
VK celebrou a oportunidade de dividir palco com nomes como G.O.G., Japão e Atitude Feminina, agradecendo especialmente a DJ Raffa e Japão pelo apoio desde seus 14 anos. Contou também sobre os eventos que fortalece com o pai em Florianópolis, como o tradicional Baile Charme e batalhas de rima. O V de Victor, traz um K, em homenagem ao seu padrinho e pioneiro do Hip Hop em SC, o DJ Kchaça.
Japão – Viela 17
MC Marechal – Rio de Janeiro
GOG
Nova edição do festival confirmada
A proposta do festival foi clara e poderosa: descentralizar o eixo Rio-SP e valorizar a cultura periférica, mostrando que a arte que nasce nas bordas transforma o centro. E conseguiu. Com maestria.
A emoção ainda pulsa no meu peito. Vi sorrisos, lágrimas, danças, crianças no ombro dos pais, juventude vibrando, veteranos emocionados. Vi o Hip Hop que me formou e que continua formando tantos. Vi o futuro.
E a melhor notícia: vem mais por aí. Uma nova edição do festival já está confirmada para o segundo semestre. Porque quando a quebrada se levanta, não tem tempo feio que segure.
Na vastidão da Rocinha, maior favela da América Latina, uma revolução cultural e musical teve início em 1978, impulsionada pelo som que ecoava das caixas de som da Status Disco Dance.
Fundada por Ricardo Pereira e seu parceiro Paulo Roberto, conhecido como Beto, a Status Disco Dance não só embalou a vida de milhares de jovens da comunidade, mas também deixou uma marca permanente na história dos bailes populares cariocas. Essa matéria busca resgatar a memória de uma época em que a música, os encontros e a comunidade se uniram para criar um legado que perdura até hoje.
Rocinha em 1979
O Início da Jornada
A história da Status Disco Dance começa com a visão de Ricardo Pereira, que aos 20 anos decidiu criar uma equipe de som que pudesse trazer para a Rocinha o mesmo tipo de som que fazia sucesso nos bailes do Rio de Janeiro. “A Status Disco Dance foi criada em 1978,
para ser mais exato. Começamos devagar, fazendo as coisas bonitinho. Inicialmente, chamava-se Status Discoteque, mas depois trocamos para Status Disco Dance”, relembra Ricardo.
O objetivo era claro: levar para a favela o que de melhor havia na música, criando uma alternativa de lazer para os jovens que enfrentavam a dura realidade de viver em uma das áreas mais carentes do Rio de Janeiro.
Status disco dance 3 Junho de 1984
Status disco dance – Paulo Roberto (O Beto) em maio de 1981. Salão de Festas no Alto da Boa Vista
A Criação da Equipe
O contexto em que a Status Disco Dance nasceu não poderia ser mais desafiador. A Rocinha, conhecida por sua densidade populacional e pela falta de infraestrutura, era também um caldeirão de cultura e resistência.
“A ideia de criar uma equipe partiu de mim e de um amigo que tenho até hoje, o Paulo Roberto, que a gente chama de Beto. Ele sugeriu: ‘Vamos fazer a nossa equipe, porque o som que está tocando aqui não é o som que toca nos bailes lá fora’. Foi aí que começou a mudança”, explica Ricardo.
A partir dessa decisão, a dupla começou a construir o que se tornaria uma das mais icônicas equipes de som da história da favela.
24 de junho de 1986 no antigo barracão do Império da Gávea
Julho de 1986 – Colégio Paula Brito
Julho de 1986
Os Primeiros Passos e os Desafios
Construir uma equipe de som de sucesso não era uma tarefa fácil. Ricardo e Beto enfrentaram inúmeros desafios, desde a compra de equipamentos até a criação de uma identidade sonora que se destacasse. “Meu único parceiro no desenvolvimento da equipe foi o Beto. Fizemos tudo sozinhos: criamos, compramos materiais, e organizamos os bailes”, conta Ricardo.
Para garantir que os bailes da Status se diferenciassem, a dupla frequentava regularmente o malódromo, um ponto de encontro icônico no centro do Rio de Janeiro, conhecido por ser o lugar onde os maiores DJs e donos de equipes de som do país adquiriam seus discos importados.
O Malódromo: O Coração da Música Importada
Nos anos 80, o malódromo, localizado nas proximidades do Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, era o epicentro do comércio de discos importados no Rio de Janeiro. Ali, vendedores como Machado, mais conhecido como DJ Nazz, operavam verdadeiras lojas a céu aberto, vendendo discos diretamente do chão para quem chegasse primeiro.
Ricardo relembra a intensidade dessas visitas: “Eu corria muito atrás dos discos. Trabalhava numa empresa e, no meu horário de almoço, ia para as lojas pesquisar”, destaca. Esses discos, que vinham de lugares como Miami e Nova Iorque, eram essenciais para manter a qualidade e a inovação musical dos bailes da Status.
Esquema de auto-falantes e carimbos da Status Disco Dance.
O Impacto dos Bailes na Comunidade
Os bailes da Status Disco Dance rapidamente se tornaram o ponto de encontro preferido dos jovens da Rocinha. Naquela época, a violência e a falta de opções de lazer faziam dos bailes uma válvula de escape crucial. “Naquela época, a Rocinha passava por muita violência e não havia muito o que fazer. A única opção era ir ao baile.
Os bailes da Rocinha eram tão bons que até hoje encontro pessoas que dizem estar casadas graças ao baile da Status Disco Dance”, diz Ricardo com orgulho.
Status disco dance
“Sabe quando uma criança conhece um parque de diversões pela primeira vez? Era assim que eu me sentia na Status Disco Dance”. Ricardo Pereira
Ricardo Pereira de camisa verde e o DJ Piu, na época o melhor DJ da Rocinha
Artistas e DJs: A Alma dos Bailes
O sucesso dos bailes também se deve aos artistas e DJs que passaram pela Status Disco Dance. Além de Ricardo, que comandava as pick-ups, a equipe contava com o talento de DJs como Piu, que era considerado um dos melhores do Rio na época.
“Além de mim, tinha o DJ Piu, que era praticamente o número 3 dos DJs do Rio de Janeiro na época. Convidamos também o Corello DJ, que fez um show maravilhoso para a gente, além de William DJ (Willian de Oliveira) e DJ Marcão”, lembra Ricardo.
Os bailes também foram palco para apresentações de artistas consagrados como Paralamas do Sucesso, Silvinho Bláu Bláu, Biquini Cavadão, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, entre outros que ajudaram a consolidar a Status como um dos principais centros culturais da Rocinha.
Dj Piu e seu irmão Kinkas da Rua 2 e DJ Wiliam
DJ Marcão
Dj Piu
DJ Willian com a camisa da Status
Quem conhece Willian de Oliveira, conhece também o Willian DJ. Aos sábados e domingos, ao anoitecer, ele se transformava em carregador de caixas e equipamentos de som da equipe Status Disco Dance. Foi essa dedicação que o permitiu entrar para a equipe e, se
tornar um DJ, passando a comandar os eventos com maestria. Hoje, Willian é uma grande liderança na Rocinha, respeitado por sua trajetória e contribuição à comunidade.
A Transição Musical
Ao longo dos anos, a música nos bailes da Status Disco Dance também evoluiu, acompanhando as mudanças na cena musical internacional. “A transição foi muito boa. Começamos com o som do James Brown nos anos 70, passamos pela discoteque, depois para o funk soul, e finalmente, nos anos 80, para o miami bass”, explica Ricardo.
Essa transição foi importante para manter a relevância da Status e atrair novos públicos, mostrando a capacidade da equipe de se adaptar às novas tendências e manter a animação dos bailes.
Rádio Imprensa: O Pulso da Cultura Funk
A expansão da influência da Status Disco Dance não se limitou aos bailes. A partir de 1984, a equipe conquistou as ondas do rádio com dois programas na Rádio Imprensa, uma das emissoras pioneiras no Brasil a dar espaço ao funk carioca. A Rádio Imprensa, que operava na frequência 102,1 MHz, era uma das FMs mais influentes da época, conhecida por ter sido a primeira emissora em frequência modulada instalada na América Latina.
“Tínhamos dois programas na Rádio Imprensa, de 1984 a 1988. Um era dedicado às músicas dos bailes da Status, das 22h às 23h, e o outro era um programa de flashback, que ia até meia-noite”, conta Ricardo.
A Rádio Imprensa, fundada em 1955, desempenhou um papel crucial na popularização do funk e de outras vertentes musicais na cidade, abrindo suas portas para locatários como a Status Disco Dance e a própria Furacão 2000.
O impacto desses programas foi significativo, atraindo patrocínios e consolidando ainda mais a reputação da equipe na Rocinha. “Esses programas ajudaram a divulgar os bailes e a fortalecer a marca da Status Disco Dance. Comerciantes locais até queriam que a gente fizesse propaganda para eles”, relembra Ricardo.
O Fim de uma Era
Em 1992, Ricardo tomou a difícil decisão de vender a Status Disco Dance, marcando o fim de uma era na Rocinha. “Decidi vender a equipe em 1992. Tinha família e nunca dependi da Status para sustentar meus filhos. Fazia o som como hobby, mas estava vendo meus filhos crescerem sem a figura do pai. Por isso, decidi vender tudo”, explica.
Apesar disso, o legado da Status Disco Dance na Rocinha, continuou a viver através das memórias de quem participou dos bailes. “Até hoje, quando eu vou na Rocinha, encontro pessoas que dizem que conheceram suas esposas nos nossos bailes e estão casadas até hoje”, comenta Ricardo.
Reflexões Finais
Olhando para trás, Ricardo Pereira se emociona ao relembrar os momentos vividos com a Status Disco Dance. “Sabe quando uma criança conhece um parque de diversões pela primeira vez? Era assim que eu me sentia na Status Disco Dance”, diz ele.
A história da Status é um testemunho do poder transformador da música e da cultura popular, especialmente em comunidades como a Rocinha, onde o acesso a espaços de lazer e cultura sempre foi limitado. Hoje, ao revisitar essa trajetória, é possível entender a importância desses movimentos culturais para a formação da identidade de gerações inteiras.
A história da Status Disco Dance é, acima de tudo, uma história de resistência, criatividade e amor pela música. Ricardo Pereira e Paulo Roberto, com sua visão e determinação, criaram mais do que uma equipe de som; eles criaram um movimento que ressoou por toda a Rocinha e deixou uma marca profunda na cultura popular carioca.
Para os jovens de hoje, especialmente aqueles que fazem parte da cena do funk e do hip hop, essa é uma história que merece ser conhecida e celebrada, pois é parte fundamental das raízes culturais que ainda sustentam a música nas periferias do Brasil.
O legado da Status Disco Dance continua vivo, não apenas nas lembranças dos que viveram aquela época, mas também na inspiração que oferece às novas gerações que buscam, através da música, um caminho para transformar suas realidades.
A Technics SL-1200 revolucionou a cena musical dos anos 70, contribuindo para o nascimento do turntablism. Feito de aço e alumínio, pesa cerca de 12 kg. Seu prato de 33 cm e 1,75 kg é movido diretamente por um motor Direct-Drive, garantindo tração forte e alto torque. Lançado em 1972, o SL-1200 rapidamente se tornou um padrão na indústria musical, especialmente entre DJs, devido à sua robustez, precisão e funcionalidades inovadoras.
O design do SL-1200 foi criado por Shuichi Obata da Matsushita Electric Industrial. Embora “SL” possa significar “Stereo Lightweight”, isso não está confirmado no manual do equipamento. O SL-1200 é renomado por sua durabilidade e precisão, popular entre DJs e fãs de vinil.
A marca Technics foi fundada pela Matsushita, criada por Konosuke Matsushita em 1918. Technics foi lançada em 1965 para produtos de áudio de alta fidelidade. Konosuke Matsushita é amplamente reconhecido como um dos maiores empresários do Japão, e sua empresa cresceu para se tornar uma das maiores e mais influentes fabricantes de eletrônicos do mundo.
Atualmente, a Technics opera sob a Panasonic Corporation, sem um CEO específico, sendo gerida por executivos da estrutura da Panasonic.
Revolução do DJ: Technics SL-1200
Ao permitir scratches perfeitos, esse toca-discos molda a cultura do DJ e muda a história da música para sempre. O motor Direct-Drive, junto com o braço em formato de “s”, possibilita um controle excelente sobre a velocidade do prato. Você pode mexer no disco e ainda manter uma velocidade constante (graças ao motor), voltando quase instantaneamente à rotação desejada. Isso garante uma performance confiável, sem ruídos ou perda de qualidade do áudio durante a discotecagem.
Gênios como Kool Herc, Wizzard Theodore e Afrika Bambaataa, três dos DJs mais importantes de suas épocas, inventam as técnicas de scratching— as famosas arranhadas em discos de vinyl — e mudam o mundo da música para sempre. Mais do que um excelente toca-discos, o SL-1200 é o instrumento certo na hora certa, abrindo portas para a criação de diversos gêneros musicais e de toda uma cultura em torno dos DJs.
Modelos Technics que modelaram a forma de discotecar.
SL 1200 (1972)
O SL-1200 foi o primeiro toca-discos padrão para discotecas, lançado em 1972. Com um sistema de acionamento direto, oferecia rotação estável e torque poderoso, ideal para a cultura disco. A primeira geração do SL-1200 estava repleta de muitas funções que os DJs desejavam, por isso rapidamente se tornou um toca-discos padrão para DJs.
SL 1200 – MK2 (1979)
O SL-1200MK2, lançado em 1979, foi o primeiro toca-discos Hi-Fi projetado para DJs. Incorporou o sistema Quartz Lock para controle preciso de rotação e um controlador de fader para ajuste de pitch. Seu gabinete de absorção de vibração e design robusto transformaram-no em um “instrumento musical” essencial para DJs
As concorrentes
Os toca-discos Technics SL-1200 são reconhecidos pela sua qualidade, durabilidade e precisão, tornando-se um padrão na indústria de DJs. No entanto, outras marcas como Pioneer DJ, Numark, Reloop, Audio-Technica e Denon DJ também oferecem produtos de alta qualidade que competem diretamente com os Technics SL-1200.
Abaixo, analisei algumas das principais marcas concorrentes:
1 – Pioneer DJ: O PLX-1000 é comparado ao Technics SL-1200 pelo design robusto e funcionalidades semelhantes, destacando-se pela estabilidade e confiabilidade. 2 – Numark: O TTXUSB é popular pela flexibilidade e recursos avançados, incluindo motor de torque ajustável e saídas USB, combinando funcionalidade e inovação a um preço acessível. 3 – Reloop: A Reloop RP-7000 MK2 é um concorrente direto dos Technics SL-1200, conhecida por sua tecnologia moderna e design clássico, atraindo DJs profissionais e amadores. 4 – Audio-Technica: O AT-LP1240-USB oferece construção sólida e conectividade USB, sendo uma alternativa confiável aos Technics. 5 – Denon DJ: O VL12 Prime destaca-se pela construção robusta, torque ajustável e luzes LED personalizáveis, proporcionando uma experiência premium com tecnologia de ponta.
Rappers e suas referências as lendárias Technics
Muitos rappers se referem ao toca-discos simplesmente como “emekás”, “1200”, “Technics”, “Tec 12” e “ones and twos”. Essas músicas destacam a importância dos toca-discos na cultura do hip-hop e mostram como os DJs e suas técnicas de são fundamentais para a cultura.
Aqui estão algumas músicas de rap que mencionam os toca-discos, particularmente os Technics SL-1200, também conhecidos como “1200”, “Technics”, “Tec 12” e “ones and twos”:
1. “Peter Piper” – Run-D.M.C.
Letra: “He’s the king of scratch and he’s here to stay / With Grandmaster flash and the Furious Five / Run-D.M.C. and the DJ on the rise / The king of the cuts with a Tech and two twelves / Sucker DJs, he be paying your dues.”
2. “The Magnificent Jazzy Jeff” – DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince
Letra: “He’s the magnificent / Jazzy Jeff / He’s a DJ, I’m the rapper, he’s the one and twos / With a touch of finesse and the cuts are fresh.”
3. “The 18th Letter” – Rakim
Letra: “Check out my melody / I want you to hear me out / I want to live my life / I’m here for one night / I’m the microphone fiend / On the ones and twos / With the Technics.”
4. “Respect the Architect” – Guru (feat. Bahamadia)
Letra: “DJ on the 1 and 2’s / Technics, the wheels of steel / The architects of hip-hop.”
5. “The Symphony 2000” – Marley Marl (feat. Big Daddy Kane, Kool G Rap, Craig G & Masta Ace)
Letra: “I come in peace, but I do not cease / To wreck your set with my 1200 Techs / You can guess the rest.”
“Colagens, batidas, viradas em contratempo. É coisa pra quem tem talento. DJ que é DJ, nunca foge da raia. Troca a cápsula, dá início na batalha. O representar, os pratos. Esquenta. Faz gostoso. Risca nervoso. Sente firmeza, mano… Põe o vinyl nos toca-discos e não deixa pular. DJ que é DJ representa as MKs. Risca, risca. Buvu buvu pá. Só peso, peso, peso. Buvu buvu pá.” (Escravo das MK`s – Estrutura Verbal)
E surgiram mil novos DJs
Nos anos 70, conseguir equipamento de som era um baita desafio pra quem queria ser DJ. Pra começar, você precisava de pelo menos 2 toca-discos, caixas de som, um mixer e uma coleção de discos de vinyl. Tudo isso custava uma grana que a maioria dos jovens no Bronx não tinha.
Aí vem a famosa história do apagão de 13 de julho de 1977. A cidade de Nova York estava no escuro total, e muitos aproveitaram para saquear lojas. Foi nesse caos que muitos jovens conseguiram seus primeiros equipamentos de DJ. Esse apagão rolou bem no meio de uma crise financeira pesada, e 31 bairros foram atingidos por saques e vandalismo.
DJ Grandmaster Caz, um dos pioneiros do Hip Hop no Bronx, contou à revista Slate que aproveitou a oportunidade: “Fui até o lugar onde comprei meu primeiro equipamento de DJ e peguei um mixer pra mim”, disse ele. “A diferença antes e depois do blecaute foi enorme”.
Esse evento foi tão marcante que inspirou o episódio 4 (“Esqueça a Segurança, Seja Notório”) da primeira temporada da série The Get Down, que mostra imagens reais daquela época.
Antes do apagão, alguns DJs já eram conhecidos, como Kool Herc, Afrika Bambaataa, Grandmaster Flash, Disco Wiz, Grandmaster Caz e o Funky Four Plus One. Mas depois do blecaute, segundo Grandmaster Caz, o número de DJs explodiu: “surgiram mil novos DJs”.
Technics MKs no DMC World DJ Championships
Ganhar o DMC World é o maior prêmio para qualquer turntablist. Vestir a famosa DMC World Champion Jacket é o maior prêmio no DJing.
Os toca-discos Technics MK foram os primeiros modelos usados no “DMC World DJ Championships”, ou “Campeonato Mundial de DJs do DMC”. Esse evento, fundado em 1985, é uma das competições de DJ mais prestigiadas do mundo, reunindo talentos de diversos países para mostrar suas habilidades em técnicas de mixagem e scratching.
Os modelos SL-1200MK2 e suas variações tornaram-se os equipamentos padrão devido à sua robustez, precisão e confiabilidade. O motor e o braço em “S” oferecem o controle necessário para performances complexas e criativas, características fundamentais para os DJs competidores. Esses toca-discos permitem que os DJs executem movimentos rápidos e precisos, mantendo a estabilidade do áudio e minimizando a distorção, essencial para uma performance de alto nível.
A Technics, ao fornecer os SL-1200MK2 para o campeonato, solidificou sua reputação na comunidade DJ. Esses toca-discos não eram apenas ferramentas; tornaram-se ícones culturais, simbolizando a habilidade e a inovação dos DJs. O impacto dos Technics MKs no DMC World DJ Championships ajudou a definir padrões de qualidade e performance, influenciando gerações de DJs e a evolução do Hip Hop.
A escolha dos SL-1200MK2 para o DMC World DJ Championships não foi apenas uma questão de conveniência, mas um reconhecimento de que esses toca-discos ofereciam a melhor plataforma possível para que os DJs mostrassem suas habilidades. A precisão e a durabilidade dos Technics permitiram que os DJs se concentrassem em sua arte, levando o nível das competições a novas alturas e ajudando a expandir a popularidade do turntablism em todo o mundo.
Desde a sua introdução no DMC, os Technics SL-1200MK2 e seus sucessores continuam a ser reverenciados como os toca-discos de escolha para DJs profissionais, tanto em competições quanto em performances ao vivo. A história dos Technics no DMC World DJ Championships é um testemunho da importância desses toca-discos na cultura DJ e na música moderna.
Quando as Technics saíram de cena: o impacto no mundo dos DJ
O ano era 2010 e os fãs de vinyl sofreram um golpe quando a Panasonic anunciou que descontinuaria os produtos analógicos da marca Technics, incluindo a lendária linha de toca-discos.
Em 20 de outubro, a empresa informou que estava encerrando a produção do toca-discos Technics SL-1200MK6, devido a desafios no mercado.
“A Panasonic decidiu encerrar a produção devido ao declínio na demanda por produtos analógicos e à dificuldade de adquirir componentes necessários”, disse a empresa em comunicado ao The Tokyo Reporter.
No ano anterior, a última fábrica de prensagem de vinyl do Japão, Toyo Kasei, havia produzido cerca de 400.000 discos, muito longe do pico de 70 milhões há quatro décadas. A Panasonic afirmou que as vendas dos toca-discos representavam aproximadamente 5% do valor de dez anos antes. Naquele momento, a empresa não tinha planos de relançar toca-discos analógicos.
Desde 1972 até 2010 foram produzidas mais de 3,5 milhões de unidades, tornando o logotipo da Technics um ícone nas casas noturnas.
A comunidade de DJs do Japão reagiu. Tatsuo Sunaga, conhecido como “The Record Chief”, lamentou o anúncio: “Uso esses produtos há cerca de 20 anos e raramente tive problemas. Essa excelência é rara, e o fato de não precisar comprar modelos subsequentes força a mudança.” Mesmo com a diminuição na produção de toca-discos, Sunaga acreditava que os amantes do vinyl não permitiriam que o formato se tornasse extinto. “Não acho que os usuários perderão o interesse”, disse ele.
Na mesma época, as técnicas de mixagem digital se difundiam entre os DJs, que passaram a usar mais computadores do que toca-discos. Os LPs também ficaram fora das prateleiras por algum tempo. Mas, com a retomada no mercado dos discos de vinyl nos últimos anos, em 2019, a Technics retomou a produção da série com o lançamento da sétima geração do lendário aparelho. Em 2022, para comemorar os 50 anos do SL-1200, foi anunciada uma edição limitada de 12.000 exemplares do novo Technics SL-1200MK7L.
Modelos 2024
Atualmente, a Technics oferece quatro linhas de toca-discos: DJ Series, Grand, Premium e Reference. O modelo SL-1200MK7 (DJ Series) custa cerca de mil e cem dólares, ou seis mil reais, sendo o menor valor no site oficial da empresa. Na série Grand, estão disponíveis os famosos toca-discos nas cores prata e preto, semelhantes aos clássicos, mas com novas ferramentas e tecnologia aprimorada. Os valores podem chegar até 4 mil dólares.
Recentemente, a empresa lançou uma colaboração entre a Technics e a Automobili Lamborghini. Como a escolha preferida dos DJs do mundo todo, a Série SL-1200 agora inclui o SL-1200M7B, que reúne os conceitos de som das duas marcas. Este modelo inclui um LP de vinyl com os sons dos motores dos carros principais da Lamborghini, um slipmat e adesivos com designs exclusivos, além da mais alta qualidade de som e funções de DJ abrangentes. O LP tem a imagem de um pneu do modelo mais recente da Lamborghini, o Revuelto.
Onde comprar?
Aqui no Brasil é possível encontrar alguns modelos no Mercado Livre, sendo que os preços dos Technics SL 1200 usados variam bastante dependendo do modelo e da condição. Os mais caros são geralmente aqueles que estão mais próximos da condição de ‘como novos’.
Imortalidade
O equipamento está imortalizado em exibição permanente no Museu de Ciências de Londres junto às tecnologias que “moldaram o mundo em que vivemos”.
Entrevista com “Veilton Freitas: O guardião das Technics SL-1200-MK2 e a arte da customização”
Antes de finalizar este artigo, decidi entrevistar o amigo Veilton Freitas, um verdadeiro mestre na restauração e customização de Technics SL-1200-MK2. Carioca de nascimento, Veilton veio ao mundo no hospital Rocha Faria, em Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro. Ele completará 53 anos em outubro deste ano.
Sobre carreira e experiência
Perguntei a Veilton como ele começou sua carreira como técnico em eletrônica e o que despertou seu interesse específico em reformas e customização de toca-discos, especialmente os modelos Technics SL-1200-MK2.
Veilton Freitas: “Então, Fábio. Vou tentar responder aqui enquanto ainda não liguei o ferro de solda e aquelas coisas todas. Então, em relação a como começou a carreira de técnico, eu já venho de família de técnicos. Meu pai, meu irmão, meu tio, todo mundo já era técnico de eletrônica. Então, eu sempre cresci dentro desse ambiente de eletrônica. Só que assim, eu não queria trabalhar diretamente com isso, então fui seguir outros caminhos.
Aí eu fui trabalhar em oficina de carro, trabalhei muito tempo em oficina de carro, pintando carro. Ajudando, na verdade. Ajudante do pintor. Eu era faz tudo da oficina, né? Eu era tipo um faz tudo. Eu inclusive ajudava o mecânico. Desmontava motor. E com isso eu tive uma experiência com pintura. E aí, quando eu larguei esse serviço, eu comecei a realmente me interessar com eletrônica e comecei a montar um negócio de sonorização. Negócio de equipe de som. E uma coisa, puxa a outra, né?
Monta a caixa de som, monta aquele negócio todinho, e monta os PAs. Comecei a fazer baile. Aí já me interessei pela arte do DJ. Isso em 88, 87… Acho que foi até menos um pouquinho. Aí a gente tocava com o que tinha, né? Antigamente era assim, tocava com qualquer toca-discoss que tinha na equipe. MK2 era luxo. Era só para quem tinha muitas condições, né? Era muito caro. Então no início dos anos 90, eu tive a oportunidade de pegar duas MK2 de um maluco que ia morar em Brasília com a mulher e desfez de tudo aqui, inclusive das MK2. Me passou elas. Mas elas estavam moídas, acabadas. Pitch já não existia. Toda arranhada. Estava velha. Aí eu pensei: – Porra, vou juntar essa experiência que eu já tive com pintura e vou pintar as minhas eu mesmo.”
“Então restaurei e fiz o lance da pintura. Peças, eu tive que sair correndo atrás por aí. Não tinha internet. Muita pesquisa até conseguir algumas peças e conseguir recuperar as minhas MKs. E não tinha lance de serigrafia. Isso aí foi bem depois. Eu tive que fazer um cursinho de serigrafia. Então eu colocava as letras com Decadry. Não sei se você chegou a ver isso. Decadry vendia em papelaria. Tu esfregava e o número e as letra saiam e grudavam no objeto.
Aí eu fiz a marca do Technics com o modelo em cima da pintura do toca-discoss com Decadry. Mas foram só as minhas. Então, até aí tava tranquilo. Quando eu fui fazer baile, festinha, essas coisinhas, que alguns DJs viram que era uma cor diferente, que não existia toca-discos de cor diferente, só existiam prata e preta. Eu acho que a minha foi azul, que eu fiz.
Aí um perguntou: – Onde é que tu comprou?
Daí eu falei: – Fui eu que pintei.
– Ah, não acredito! Mentira.
– Não. Fui eu que pintei. Essa é minha. Eu que pintei” e tal.
– Porra, faz na minha. E foi aí que tudo começou.
O primeiro toca-discos que eu fiz, foi para o Alexandre de Bangu, inclusive, ele faleceu há uns dois meses. O pessoal chamava ele de Shrek. E ele foi o primeiro. Daí outros vieram, outros foram pedindo e começou, cara. Começou, e virou um negócio. Aí eu tive que me profissionalizar melhor, né? Aí eu já fiz a tela de silk screen com as marcas, né, Technics, aquela coisa toda. E foi assim que comecei.”
Antes e depois.
Sobre técnicas e processos
Curioso sobre os desafios que ele enfrenta, perguntei sobre as técnicas e processos envolvidos na reforma de um toca-discos Technics SL-1200-MK2.
Veilton Freitas: “Bom. Desafios para reformar um Mk2? É tudo, né? Tudo é um desafio. Todas as partes têm que ser muito bem analisadas. Tem que ter muita atenção, desde o lixamento. Não pode ter resíduo nenhum embaixo, senão a pintura sai ruim. Tem todo aquele trabalho de primer, lixar, mais primer se necessário, lixar de novo, alisar. Entendeu?
Depois vem a cor, depois entra o verniz. Esses são só os desafios normais, né? Agora o trabalho, sei lá, que deu o desafio. Acho que foi uma dourada que eu fiz. Essa dourada eu fiz para mim. Depois eu acabei passando para o DJ Cientista e aquela deu trabalho, que foi muita tentativa e erro. Eu comprei um pigmento, um candy lá de fora.
Bem, bem amarelo, bem dourado, para poder colocar em cima do cromado para dar o efeito. E aquilo ali foi muito trabalhoso. No início deu muito errado, por isso que eu não faço mais, porque deu muito trabalho. Tive que desfazer e refazer várias vezes. Agora, ferramentas, equipamentos e ferramentas normais. Eu uso um compressor normal.
Pistola normal. Ferramentas básicas. A única coisa que eu tive que fazer diferente, foi uma chave cortada no meio para poder tirar o pivô do braço. Aqueles pivôs que têm no braço para regular, ele tem uma contra porca. Aquilo ali que deu um pouquinho de trabalho. Fiz uma ferramenta só para aquilo.”
Sobre o modelo Technics SL-1200-MK2
Veilton explicou o que torna o Technics SL-1200-MK2 tão especial para os DJs.
Veilton Freitas: “Bom a Technics ela ficou tão popular entre os DJs, por vários fatores. Na minha opinião, o principal é o torque. Ela tem um torque danado. E a precisão, né? A precisão por causa do quartzo, né? Que é aquele cristal que controla a rotação que está sempre sendo reajustada no lugar que você deixa o pitch. Então isso é uma coisa Na época foi inédita. Os toca-discoss não eram assim. Revolucionou, né? Ah, tem muitos fatores, né cara, que ela se popularizou.
O design dela, ah, ela é robusta, pesada, dificilmente dá humming. E a facilidade de acertar o pitch com um potenciômetro deslizante é uma coisa fundamental. Você acerta o pitch rápido, diferente do pitch rotativo, então tem várias características que tornaram ela bem popular, né? A parte que mais critica, na minha opinião, é o braço. O braço é praticamente o coração do toca-discos. Se ele não estiver bem regulado, soltinho e tal, a música vai pular, independente do disco novo ou velho. Então o braço tem que estar perfeito.
Ele não pode ter mal contato nos contatos ali com o shell, né? Se não, o som sai ruim. Se tiver mal contato, um Serato não reconhece. Então tem toda uma complexidade em torno do braço. É uma das partes mais críticas, na minha opinião.”
Sobre o Mercado e a Comunidade
Perguntei a Veilton sobre o mercado atual para reformas e customização de toca-discos clássicos.
Veilton Freitas: “Em relação ao mercado de reforma. Muita gente que já tinha que reformar, já reformou. O que está acontecendo agora é muito mesmo a questão do design. Muita gente personalizando para ficar com a cara de cada um, né? Seguir o gosto de cada um. Muita gente preparando um setup diferente. Então vem muito mais customização do que restauração em si. Restauração tem pouco agora. Eu acho que eu já fiz tudo que tinha que fazer aqui no Rio de Janeiro e alguns lugares também do Brasil. Sobraram-se poucas.
E tem também muita gente que pegou esse bonde e tá fazendo também. Então, dividiu as tarefas por aí, né? Eu acho que eu fui um dos pioneiros. Eu faço isso desde a época do falecido Orkut. Eu já fazia esse trabalho, já, já divulgava fotos e tal, né? Então, já é uma coisa bem antiga. Agora, hoje em dia as tendências muita gente tá usando phaser. Muita gente usando Serato, Traktor, Recordbox. A digitalização está muito expressiva.
Não sou contra a tecnologia. A tecnologia veio para facilitar. Para facilitar o que sempre foi difícil. Antigamente o cara tinha que carregar dez caixas de disco para poder fazer um baile. Agora ele pode levar tudo num pen drive. Facilitou a vida dele. É claro que os saudosistas ainda vão preferir a bolacha. Eu particularmente prefiro. Mas se for um baile de flashback de uma noite toda, vale a pena. Agora, se for uma festinha de poucas horas, é melhor levar uma mídia digital. Fica mais fácil. Facilitou a vida da gente, né? Não precisa carregar aquele peso todo.”
Reações dos clientes
Para encerrar a entrevista perguntei ao Veilton, qual era a reação dos seus clientes ao verem seus toca-discos reformados e customizados pela primeira vez?
Veilton Freitas: “Aí foi muito engraçado. No início eu me divertia. Eu cobria os toca-discoss com um pano. Quando ficavam aqui no balcão prontos, justamente para ver a reação. Cada um tinha uma reação peculiar. Uns ficavam quietos, com a mão no queixo, outros sorrindo. Teve um que levantou o pano, abaixou, voltou, levantou de novo, abaixou. Ele não estava acreditando. Parecia criança. Muito engraçado.
E teve também umas pegadinhas que eu fiz. Um rapaz do sul pediu para colocar a cor do time de futebol dele. Eu esqueci agora qual era o time. Sei que era vermelho. Aí, em homenagem ao time dele, o que eu fiz? Eu fiz o trabalho, tudo do jeito que ele pediu. Vermelho. Mas eu não mandei foto nenhuma.
Mas eu arrumei duas carcaças azuis e cobri com um pano. Na hora que ele veio buscar, ele levantou o pano. Ele quase teve um choque. – Não. Tu errou isso é do Grêmio. Falei: – Ué, mas tu não é gremista? O cara quase morreu. Aí, depois eu fui buscar a dele. Tinha que ver a sensação de alívio. Foi engraçado. Pena que essas coisas não foram filmadas. Nada disso foi filmado. Mas fica para a memória.”
Toca-discos vermelho
As histórias e experiências de Veilton Freitas refletem uma paixão genuína pela arte da restauração e customização, algo que transcende meramente consertar equipamentos. Ele não apenas revive os toca-discos, mas também preserva uma parte vital da cultura DJ. É uma jornada de dedicação e criatividade, onde cada projeto é uma obra-prima. E assim, as Technics SL-1200-MK2 continuam a girar, trazendo nostalgia e alegria para uma nova geração de entusiastas do vinyl.
Veilton entregando os toca-discos do DJ Fábio ACM em 2013.
São Luís do Maranhão, conhecida nacionalmente como a “Ilha do Reggae”, ou até mesmo a “Jamaica Brasileira”, é uma cidade cuja identidade musical é profundamente entrelaçada com os ritmos caribenhos. Desde a sua introdução na década de 1970 até os dias atuais, o reggae tem deixado uma marca indelével na cultura e na música maranhense, moldando não apenas os sons que ecoam pelas ruas, mas também a identidade e a expressão artística de seu povo.
A chegada do reggae às terras maranhenses foi marcada por uma mistura peculiar de circunstâncias sociais e econômicas. Fluxos migratórios entre Maranhão e Pará, impulsionados pela construção da estrada de ferro de Carajás, trouxeram consigo não apenas trabalhadores e suas famílias, mas também a riqueza musical do Caribe. Sons caribenhos, especialmente o reggae, encontraram um lar na periferia de São Luís, onde vinis trocados por produtos e disseminados por rádios de ondas curtas e radioamadores do Caribe rapidamente se tornaram trilha sonora dos bairros menos abastados.
Entretanto, a jornada do reggae no Maranhão transcendeu a mera importação de uma forma estrangeira de música. Rapidamente, o reggae se entrelaçou com a cultura local, adotando novas formas de expressão e identidade. Onde antes havia danças individuais, surgiram coreografias sensuais, enraizadas na ginga maranhense, transformando o reggae em uma celebração coletiva de ritmo e paixão.
A linguagem do reggae também foi adaptada às realidades locais, com a criação dos “melôs”, versões em português dos títulos das músicas que refletiam a proximidade fonética com o inglês e elementos da vida cotidiana maranhense. Essa apropriação linguística não apenas facilitou a compreensão das letras para aqueles que não dominavam o inglês, mas também solidificou o reggae como uma expressão autêntica da cultura maranhense.
“Melô do Caranguejo” (White Witch – The Andrea True Connection)
O papel dos locutores e DJs não pode ser subestimado nesse processo de adaptação e difusão. Eles não apenas transmitiam a música, mas também criavam uma linguagem própria, com termos como “pedra” para descrever um bom reggae, “magnatas” para os empresários dos clubes e “radiolas” como uma versão local dos “Sound Systems” jamaicanos. Nomes como Edmilson Tomé da Costa (DJ Serralheiro), Ferreirinha, Fauzi Beydon (Tribo de Jah), Antônio José, Ademar Danilo, Robert Tchanco, Luzico, Carlinhos Tijolada, Magnata Serralheiro, Natty Nayfson e muitos mais ecoavam pelos salões da cidade, fazendo vibrar os adeptos de suas Radiolas.
À medida que o reggae ganhava espaço nos bairros periféricos, sua presença começou a ser notada em outras esferas da sociedade. Empresários e donos de clubes viram no reggae não apenas uma expressão cultural, mas também um produto comercialmente viável. A compra de espaço na mídia local permitiu que o reggae migrasse das páginas policiais para as seções de cultura, encontrando aceitação não apenas entre os
mais pobres, mas também entre a classe média e intelectual.
Desde então, o reggae cristalizou sua posição como uma força cultural dominante no Maranhão. Shows de artistas internacionais tornaram-se eventos comuns, com apresentações memoráveis de grandes nomes como “The Wailers”, “Jimmy Cliff”, “The Gladiators”, “Gregory Isaacs” e “John Holt”, entre outros. Programas de rádio e televisão especializados proliferaram e o reggae se tornou não apenas uma música, mas um estilo de vida para muitos maranhenses. A exemplo do programa Rádio Reggae, na Rádio Mirante FM, líder de audiência em São Luís nos anos 90, comandado pelo DJ Fauzi Beydon, um dos pioneiros do reggae no Maranhão.
Assim, a influência do reggae na música maranhense não pode ser subestimada.
Mais do que apenas uma forma de entretenimento, o reggae tornou-se uma expressão poderosa de identidade cultural, enraizada nas ruas de São Luís e ecoando através dos corações e mentes de seu povo.
No dia 11 de setembro de 2023, o governo Lula oficializou São Luiz como a Capital Nacional do Reggae, mediante a promulgação da Lei n° 14.668, divulgada no Diário Oficial da União. [Texto integral]
Referência:
1. Fernandes, M. S. (2014). A Influência do Reggae na Cultura Maranhense: Um Estudo sobre a Adoção e Transformação de um Gênero Musical Internacional*. Tese de Doutorado,
Universidade Federal do Maranhão.
2. Oliveira, R. T. (2010). Ritmos do Maranhão: A Integração do Reggae na Periferia de São Luís. Revista Brasileira de Música Popular, 12(3), 45-67.
3. Costa, A. L. (2008). Radiolas e Reggae: A Cultura Sonora de São Luís do Maranhão*. São Paulo: Editora USP.
4. Santos, J. F. (2016). Música e Identidade: A Apropriação do Reggae pelos Jovens Maranhenses. São Luís: Editora UFMA.
5. Diário oficial – D.O.U de 12/09/2023, pág. nº 8