No próximo sábado, 05 de julho de 2025, o Quilombo Enraizados, em Morro Agudo (Nova Iguaçu), será novamente tomado pela arte, pelo afeto e pela resistência. Quem é de casa sabe que toda edição é especial e essa não é diferente, como sempre reunindo artistas da palavra, do som e da política cultural em uma noite histórica.
Desde 2013, sempre no primeiro sábado do mês, o sarau transforma o Quilombo Enraizados em um verdadeiro templo da palavra viva. Criado pelo rapper, educador e produtor cultural Dudu de Morro Agudo, o evento nasceu com a proposta de valorizar a literatura periférica, misturar gerações, linguagens e fortalecer o circuito cultural da Baixada Fluminense. De lá para cá, foram mais de 150 edições, revelando talentos, fortalecendo redes de criação e afetividade e acolhendo múltiplas vozes da periferia.
A edição de julho traz uma programação potente e diversa, se liga nessa viagem:
A jovem cantora Terê BXD, de 20 anos, estreia no palco do sarau com sua voz suave e marcante. Natural da Baixada Fluminense, Terê começou a cantar ainda bebê e hoje se apresenta como uma artista em construção, carregando influências que vão de Maria Bethânia a Calcinha Preta, sempre com autenticidade e sensibilidade.
“Canto. E se canto, é porque ainda existo”, afirma a artista.
O poeta LuiX HN traz seus versos como instrumentos de resistência e cura. Poeta da rua, da escuta e do silêncio, LuiX escreve como quem respira e grita por dentro. Sua poesia atravessa, emociona e expande, revelando sentimentos intensos em forma de palavra.
E para coroar a noite, a deputada federal, artista e gestora cultural Jandira Feghali lança seu livro de estreia, “Cultura é Poder”, publicado pela editora Oficina Raquel. A obra propõe uma reflexão crítica sobre o papel da cultura na democracia brasileira, costurando a trajetória política e musical da autora com temas como diversidade, racismo, guerra cultural e políticas públicas. O prefácio é assinado pela ministra Margareth Menezes.
A apresentação do sarau será conduzida pela poeta Lisa Castro, com intervenções poéticas de Átomo Pseudopoeta e discotecagem dos DJs Dorgo e Imperatriz, que garantem o clima divertido e acolhedor da noite. Como sempre, haverá microfone aberto, convidando pessoas do público para declamar e assumir o protagonismo.
“Quem escreve, resiste. Quem declama, liberta”.
SERVIÇO
📍 Quilombo Enraizados – Rua Presidente Kennedy, 41, Morro Agudo, Nova Iguaçu – RJ
📅 05 de julho de 2025 (sábado)
⏰ A partir das 19h
🎤 Microfone aberto
💰 Entrada gratuita
📲 Mais informações: https://www.instagram.com/p/DLWRdBdsJoQ
Nem sei por onde começar. São tantas coisas a dizer, tantos sentimentos que permeiam meu coração, mas vou começar do jeito que dá—transbordando o que sinto, deixando que as palavras fluam.
Este processo de pesquisa foi, sem dúvida, um grande aprendizado. Aprendi a olhar para lugares que antes não enxergava, a ouvir de forma atenta e afetuosa essa juventude potente que orbita o Quilombo Enraizados e participa das atividades do RapLab e tantas outras, e a refletir sobre nossas próprias práticas e vidas. Mas, acima de tudo, aprendi a inventar mais futuros possíveis para nós.
Conectei minhas redes a outras redes educativas, e isso expandiu meus horizontes de uma forma que eu jamais imaginei. Lembro-me de uma conversa que tive com minha grande irmã, Lisa Castro, quando ainda estava no mestrado. Ela me perguntou se a universidade tinha me mudado. Na época, respondi que sim, mas que minha presença e de tantos outros iguais a nós, também tinha mudado a universidade de alguma forma.
Hoje, minha resposta seria diferente. Diria:
— Sim, minha amiga, entrar para a universidade mudou minha vida. Ou melhor, mudou as nossas vidas, a minha, a sua e de tantos outros que suas redes se cruzam com as nossas.
Graças a essa jornada acadêmica, conheci pessoas incríveis e me conectei com o grupo de pesquisa Juventudes, Infâncias e Cotidianos (JICs), onde encontrei pessoas que hoje são parte importantíssima do Enraizados. São pessoas que nos ensinam tanto quanto aprendem conosco. Graças a essas conexões, chegamos ao terceiro ano do Curso Popular Enraizados, com contribuições fundamentais da Bia, da Júlia e da Maria, à terceira turma de teatro em parceria com o Projeto Teatro Nômade, graças a Luísa e a toda turma do Projeto Teatro Nômade, e esses projetos não só impactaram minha trajetória, mas também envolveram minha esposa, meu filho e a família da própria Lisa. Hoje, minha irmãzinha cursa pedagogia, minha esposa está prestes a entrar para cursar história na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, aqui em Nova Iguaçu, ambas estudaram no Curso Popular Enraizados. Meu filho, com apenas sete anos, já atuou em duas peças teatrais.
As redes foram se cruzando, as possibilidades se ampliando, e hoje vejo dezenas de pessoas que tiveram suas vidas transformadas a partir dessas conexões.
O dia da defesa de doutorado foi um dos mais intensos da minha vida. Organizar transporte, lanches, presentes, preparar slides, ensaiar… Um turbilhão de tarefas. Nada disso seria possível sem a força coletiva de tantos amigos que chegaram e nunca mais saíram.
Um amigo conseguiu o ônibus, outro a van, e minha esposa preparou cuidadosamente os kits de lanche para todos. Samuca estava mais ansioso que eu, porque percebia que, no meio da produção desse dia, eu não encontrava tempo para ensaiar minha apresentação.
Antônio Feitosa chegando no Quilombo Enraizados, às 5:30 da manhã
Baltar, Higor, FML, DMA, Samuca e Kaya
Enraizados rumo a UFF, de ônibus
Marcamos a saída para as 5h30 da manhã, e todos chegaram pontualmente ao Quilombo Enraizados. Dorgo seguiu comigo de carro, que já estava carregado com um isopor cheio de bebidas e gelo, projetor, caixa de som, cabos e outros equipamentos. Seguimos viagem cantando para aliviar a tensão, embora eu estivesse em um estado quase mecânico, semelhante ao que senti no dia do nosso show no Rock in Rio. A meta era clara: viver o dia, fazer o que havia sido ensaiado e não improvisar. O famoso “sorria e acene”.
Mas, como em toda grande história, imprevistos aconteceram.
Ainda na Avenida Brasil, um carro bateu na traseira do meu. O barulho foi assustador, e saí do carro sem conseguir disfarçar minha insatisfação. O motorista do outro veículo estava visivelmente nervoso, mas, felizmente, não houve grandes danos e seguimos viagem.
Ao chegar na UFF, outro desafio: o auditório reservado para a defesa estava ocupado por um evento de química. Tivemos que nos adaptar rapidamente e mudar para o auditório do Bloco F. Mesmo com os contratempos, tudo foi resolvido com o apoio das minhas amigas do JICs, que cuidaram da burocracia, do café da manhã, da comunicação da mudança de sala e de mais um monte de coisas. Luísa, Inês, Bia, Andreza, Pedro, Laís, Ravelly, Rebecca… Quase todas e todos estavam lá. Senti falta da Patrícia, da Clarice, da Maria Fernanda que infelizmente não puderam estar presentes.
Minha amiga Emília me recebeu com um presente logo na minha chegada —uma linda orquídea e um bolo de rolo, um gesto de carinho que guardarei para sempre. Ana Massa, amiga de quase duas décadas, também estava lá. Foi emocionante perceber que aquela conversa que tivemos anos atrás, em Paris, sobre fazer eu doutorado, quando eu ainda nem tinha começado a graduação, finalmente se concretizava.
Lista de Presença?
Valter Filé observando a apresentação de Dudu de Morro Agudo
Ana Enne, minha querida amiga e professora da UFF, que conheci lá pelos anos de 2010, quando trouxe sua turma de graduandos para conhecer o nosso Pontão de Cultura e nossa rádio web, onde o âncora era uma criança de 11 anos. Ela também esteve presente.
Cada detalhe foi pensado com amor e dedicação. Higor Cabral e Josy Antunes registraram tudo com filmagens e fotografias, Aclor fez belos registros em vídeo e Baltar criou um flyer incrível para divulgar o grande dia. A presença de tantos amigos, colegas e familiares tornou tudo ainda mais especial.
A banca era o time dos sonhos. Sou fã de cada membro, tanto por suas trajetórias acadêmicas quanto por seus posicionamentos políticos e ideológicos. Adriana Facina, Adriana Lopes, Valter Filé, João Guerreiro e minha orientadora, Nivea Andrade. Infelizmente, Erica Frazão não pôde estar presente por motivos pessoais, mas sua contribuição na qualificação foi fundamental.
Banca formada por Adriana Facina, Adriana Lopes, Nivea Andrade, João Guerreiro e Valter Filé, ao lado Dudu de Morro Agudo
Como homenagem à cultura hip hop, fizemos um zine, inspirado nos coletivos dos anos 90, com o resumo da pesquisa e as letras das músicas “Reflexões que ainda me tiram o sono”—uma criação nascida dentro da universidade, na disciplina Psicologia da Arte, ministrada pela professora Zoia Prestes, a quem sou imensamente grato—e “Jovem Negro Vivo”, a música mais emblemática dos encontros do RapLab.
Durante a defesa, a banca fez apontamentos valiosos, que renderam discussões até no ônibus de volta para casa.
Quando chegou minha vez de falar novamente, a emoção tomou conta. As lágrimas vieram, e aquele nó na garganta que sempre aparecia até nos momentos de ensaio da apresentação ou quando simplesmente imaginava o dia da defesa, estava lá, presente. Refletir sobre a própria trajetória é uma viagem cheia de turbulências.
Ao final, Nivea Andrade fez uma fala emocionante, tecendo palavras sobre minha mãe, meus filhos, minha companheira e os mais velhos do Enraizados. Foi uma homenagem afetuosa e respeitosa, que tocou fundo em todos nós.
E então, o veredito foi lido: APROVADO.
Adriana Facina, Adriana Lopes, Nivea Andrade, Dudu de Morro Agudo, João Guerreiro e Valter Filé
JICs: Rebecca, Ravelly, João, Gabi (agachada), Bia, Nivea, Dudu, Duduzinho, Luísa, Inês (ao meio), Laís (agachada), Andreza e Pedro
Imperatriz (filha), Lúcia (mãe), Alcione (tia e madrinha) e Milena (prima)
Fernanda Rocha (esposa) e Dudu de Morro Agudo
O bonde todo.
A festa começou. A universidade rimou e rimou. Vieram os abraços, as mensagens inundaram o WhatsApp, as redes sociais explodiram. O Enraizados inteiro se tornava doutor.
Depois, a celebração continuou no Quilombo: cantamos, rimos, choramos, bebemos, comemos, caímos, tomamos banho de chuveiro, dançamos. A felicidade era palpável.
No dia seguinte, acordei cedo e fui para o Quilombo arrumar tudo, sozinho lavando o quintal e refletindo sobre as últimas 24 horas. Os vizinhos já me chamavam de “doutor”, perguntando quando poderiam ler minha tese. Eu respondia com sorrindo:
— Logo! Semana que vem estará nas ruas!
Como se fosse meu novo disco.
A ficha ainda não caiu completamente, mas sei que este não é o fim —é o início de uma nova e longa jornada. Agora é hora de agradecer, viver o momento e seguir desenhando futuros possíveis.
O terceiro álbum da parceria entre Dudu de Morro Agudo e Átomo Pseudopoeta, conhecido como DMÁtomo, é uma imersão na ancestralidade e na cultura africana. Intitulado “Símbolos”, o projeto mergulha na riqueza dos Adinkras, símbolos originários do povo Akan, do Gana, que representam conceitos filosóficos e ideológicos. Cada faixa do álbum é uma homenagem a um desses símbolos, conectando o passado à contemporaneidade por meio da música.
Com beats assinados por Eric Beatz, que construiu uma atmosfera sonora rica e envolvente, “Símbolos” traduz em ritmo e poesia os significados profundos de cada Adinkra selecionado. O álbum não é apenas uma obra musical, mas um convite para refletir sobre valores universais que atravessam gerações.
Dudu de Morro Agudo, Eric Beatz e Átomo Pseudopoeta
As Faixas e Seus Símbolos Nyansapo (Sabedoria)
A primeira faixa, Nyansapo, aborda o símbolo da sabedoria, inteligência e paciência. A letra reflete a busca por conhecimento, o equilíbrio entre emoção e razão, e a importância de decisões sábias em meio aos desafios cotidianos. O beat de Eric Beatz evoca introspecção, com camadas melódicas que sugerem um diálogo interno.
Aya (Resiliência)
Aya, a segunda faixa, é uma celebração da força e resistência diante das adversidades. Conhecido como o símbolo da samambaia, que cresce em condições difíceis, o tema da música é a superação e a determinação. O ritmo é pulsante e contagiante, traduzindo a energia de quem nunca desiste.
Akofena (Coragem e Justiça)
Na terceira track, Akofena, o símbolo das espadas cruzadas, DMÁtomo explora o conceito de coragem e a luta por justiça. A música é uma ode aos guerreiros que enfrentam a opressão com firmeza. Os versos são contundentes, enquanto o beat cria uma atmosfera musical tranquila, o que causa quase uma contradição na obra, mas ao mesmo tempo mostra versatilidade.
Ananse (Sabedoria e Complexidade)
A quarta faixa, Ananse, celebra o símbolo da aranha, associada à sabedoria, à estratégia e à complexidade das narrativas. Aqui, a dupla constrói uma teia lírica intricada, remetendo às histórias que formam a identidade e a memória coletiva. A produção de Eric Beatz incorpora sons que remetem ao movimento e à criação, reforçando a metáfora.
Osram Ne Nsoromma (Amor e Harmonia)
Encerrando o álbum, Osram Ne Nsoromma representa o amor, a união e a interdependência entre o homem e a mulher. A faixa é uma celebração à harmonia e aos laços que nos conectam como seres humanos. Com um tom mais suave e melódico, essa música finaliza o álbum com uma mensagem de esperança e união.
Dudu de Morro Agudo, Eric Beatz e Átomo Pseudopoeta
Um Álbum de Resistência e Arte “Símbolos” é mais do que um álbum; é um manifesto cultural. DMÁtomo e Eric Beatz entregam um trabalho que ultrapassa as barreiras do entretenimento, transformando o rap em uma ferramenta de resgate histórico e espiritualidade. Cada faixa é um mergulho em conceitos que continuam relevantes, oferecendo aos ouvintes uma experiência que é tanto estética quanto educativa.
O lançamento de “Símbolos” marca um momento importante na carreira de DMÁtomo, consolidando a dupla como uma das principais vozes do rap contemporâneo. O álbum estará disponível em todas as plataformas digitais a partir de 31 de dezembro de 2024, e promete inspirar e impactar profundamente quem o escutar.
Para conhecer mais sobre o projeto e mergulhar nessa jornada simbólica, basta acessar as plataformas digitais ou acompanhar as redes sociais do grupo. DMÁtomo e Eric Beatz entregam, com “Símbolos”, um presente para a cultura brasileira e para os apreciadores do hip hop consciente.
Com rimas afiadas e ideias firmes, representantes do Hip Hop carioca mostram que a cultura Hip Hop é a ponte para a transformação social e política
Nos dias 29 e 30 de novembro de 2024, Brasília respirou rima, ritmo e resistência com o Seminário Internacional da Construção Nacional do Hip Hop. Representando o Rio de Janeiro, oito vozes marcantes do movimento cultural mais revolucionário do planeta levaram suas histórias, perspectivas e desejos para o futuro do Hip Hop. O evento não foi só um marco, mas um grito de união, organizado para construir políticas públicas e fortalecer uma cultura que há 50 anos transforma vidas.
As vozes do GT-RJ
De Cabo Frio à Lapa, da CDD à Baixada Fluminense, do basquete de rua às batalhas de rima, os representantes do GT-RJ têm trajetórias que misturam arte, educação e transformação social. Conheça quem são algumas dessas lideranças e o que pensam sobre o impacto do seminário.
Taz Mureb – MC e porta-voz da resistência do interior
Primeira colocada no edital do Ministério da Cultura na região Sudeste, Taz Mureb, de Cabo Frio, é MC, produtora cultural e uma das vozes mais marcantes do GT-RJ. Para ela, o seminário é um divisor de águas para a cultura Hip Hop no Brasil.
“O seminário é um marco. Estamos institucionalizando o Hip Hop como política pública cultural. É mais que música ou dança, é um movimento sociocultural e político. Aqui, a gente abre diálogo com órgãos do governo, empresas e até frentes internacionais. Sonho com o Hip Hop sendo ferramenta de promoção cultural no Brasil e no exterior. É o começo de algo muito maior.”
Taz destacou também a importância de criar um legado para as próximas gerações: “Precisamos transformar iniciativas locais em políticas nacionais e mostrar que o Hip Hop pode mudar o Brasil. É isso que estamos construindo aqui.”
DJ Drika – O coração pulsante da Baixada Fluminense
Adriane Fernandes Freire, ou DJ Drika, carrega a Baixada Fluminense no peito. Fundadora da Roda Cultural do Centenário, ela e sua equipe levam os quatro elementos do Hip Hop para as favelas de Duque de Caxias há seis anos. “Estar aqui no seminário é histórico. É uma vitória da cultura periférica, uma chance de dialogar com o governo e fortalecer o que já fazemos nas comunidades. A cultura Hip Hop precisa de apoio contínuo, e eventos como este abrem caminhos para que nossas vozes sejam ouvidas.”
Drika enfatizou que o Hip Hop não é só arte, mas também resistência: “Nosso movimento nasceu para transformar. Com a parceria do governo federal, podemos ir mais longe e impactar mais vidas.”
MC Rafinha – A força da união
Parceiro de Drika na Roda Cultural do Centenário, Rafael Alves, o MC Rafinha, é um mestre de cerimônias que acredita na força coletiva. Ele vê o seminário como uma plataforma para expandir o trabalho que já realiza com batalhas de rima, grafite e poesia na Baixada Fluminense.
“Esse evento é sobre união. É a chance de estarmos juntos, trocando ideias e mostrando que o Hip Hop vai além das nossas rodas culturais. Aqui, colocamos nossa luta no mapa e mostramos que estamos prontos para construir juntos.”
Para Rafinha, o seminário marca o início de um novo capítulo para o movimento. “O Hip Hop é a voz da periferia. Estar aqui é garantir que essa voz ecoe mais alto.”
Erick CK – Conectando a cena em Niterói
Com sete anos de atuação nas rodas culturais de Niterói, Erick Silva, o CK, sabe o peso de levar o Hip Hop para os palcos e ruas. No seminário, ele viu uma oportunidade de conectar as demandas dos artistas locais com políticas públicas mais amplas.
“É muito importante estarmos aqui. Precisamos discutir os problemas reais do Hip Hop, como falta de patrocínio para DJs e grafiteiros, e a valorização dos produtores que estão sempre nos bastidores. O seminário abre essas portas.”
CK ressaltou a relevância de manter o diálogo aberto para futuras edições: “Que este seja o primeiro de muitos eventos que fortaleçam o movimento em todo o Brasil.”
Anderson Reef – Transformação social em Madureira
Palestrante no painel “Retratos do Brasil: Narrativas Regionais e Potência Construtiva”, Reef é produtor cultural, responsável pela Batalha Marginow, evento semanal, que acontece todas as segundas e tem uma década de trabalho embaixo do Viaduto Madureira, zona norte do Rio. Ele usa o Hip Hop para revitalizar espaços e gerar economia criativa.
“O Hip Hop salva vidas. Aqui em Brasília, mostramos ao governo que nosso movimento vai além da música. Trabalhamos com saúde, educação, teatro e dança. Precisamos de mais estrutura para continuar impactando nossas comunidades.”
Para Reef, o seminário também é um espaço para pensar grande: “Quero ver o próximo evento num lugar maior, com mais gente. O Hip Hop merece ser tratado como prioridade nacional.”
Anderson Reef
Rafa Guze – Uma cineasta na linha de frente
Educadora social e diretora do Instituto BR-55, Rafa Guze acredita no poder do Hip Hop para transformar vulnerabilidades sociais. Para ela, o seminário é uma chance de estruturar
políticas que atendam as bases do movimento.
“O Hip Hop é uma potência global, mas nossas comunidades ainda enfrentam muitas dificuldades. Este evento é sobre construir soluções, criar políticas que combatam fome, genocídio, feminicídio e outras desigualdades. É sobre usar nossa cultura para transformar realidades.”
Rafa destacou a importância de trabalhar em parceria com o governo: “Sabemos como resolver os problemas. Só precisamos de apoio para fazer isso acontecer.”
Lebron – Formando novas gerações
Victor, ou Lebron, é um veterano do basquete de rua e do Hip Hop em Campos dos Goytacazes. Fundador de uma ONG que atua há 18 anos, ele vê o seminário como uma oportunidade de renovar o movimento.
“O Hip Hop me ensinou tudo que sei. Agora, quero retribuir, formando novas gerações de artistas, DJs e produtores culturais. Precisamos de mais eventos assim, que conectem pessoas e ideias para planejar o futuro.”
Para Lebron, o maior desafio é garantir que o movimento continue crescendo de forma sustentável: “Estamos retomando espaços e precisamos de articulação para avançar.”
Bruno Rafael
Bruno Rafael – Liderança que inspira
Com 27 anos de trajetória, Bruno Rafael é uma figura central do Hip Hop carioca. Palestrante no painel “Retratos do Brasil: Narrativas Regionais e Potência Construtiva”, ele destacou o amadurecimento do movimento.
“Esse seminário é fruto de trabalho coletivo. Mostramos que o Hip Hop está politizado e organizado. Hoje, conseguimos dialogar diretamente com ministros e secretários, algo que nunca foi possível antes.”
Para Bruno, o evento é um reflexo da força do movimento: “O Hip Hop tem o poder de transformar vidas. Estamos só começando a mostrar do que somos capazes.”
O impacto do seminário
Entre as falas, há um consenso: o Hip Hop precisa ser reconhecido como política pública prioritária. Os representantes do GT-RJ destacaram que o movimento não é apenas arte, mas uma ferramenta para combater desigualdades, gerar renda e formar futuros líderes culturais. Para os representantes do GT-RJ, dois nomes de peso tiveram grande importância para a realização deste seminário: Claudia Maciel e Rafa Rafuagi.
“A Claudia é pura visão estratégica”, disse Taz Mureb.
Já Rafa Rafuagi, é a ponte que liga cultura e política: “Ele é aquele cara que transforma discurso em ação. Além de ser referência no rap do Sul, ele trouxe a ideia de que o Hip Hop pode e deve dialogar diretamente com o governo, sem perder nossa essência de resistência.”
Para o grupo, Cláudia e Rafa não foram apenas organizadores, mas exemplos vivos de que o Hip Hop é articulação, união e transformação.
Caminhos para o futuro
O Seminário Internacional da Construção Nacional do Hip Hop foi mais do que um evento. Foi um passo firme em direção a um Brasil mais justo e diverso, onde a cultura Hip Hop ocupa o lugar que merece: o de protagonista na transformação social.
Com vozes como as do GT-RJ, o futuro do Hip Hop promete ser brilhante – e revolucionário.
No corre da favela e do asfalto, na batida da vida, todo mundo mandou o papo reto: “O Hip Hop salva vidas!”
No 1º dia do Seminário Internacional do Hip-Hop, artistas e ativistas mostram como o movimento une cultura, economia criativa e impacto social.
O auditório da Petrobras em Brasília foi palco de um dos momentos mais significativos para a cultura Hip-Hop no Brasil nesta sexta-feira (29/11). Dentro do 1º Seminário Internacional do Hip-Hop, que se estende até sábado (30), o painel “Inovação e Sustentabilidade na Cultura Hip-Hop como Economia Criativa” reuniu artistas, pesquisadores e gestores culturais de diferentes partes do Brasil e da América Latina. Com o objetivo de discutir caminhos para fortalecer o movimento enquanto ferramenta de transformação social e fonte de renda, a conversa trouxe reflexões sobre políticas públicas, iniciativas locais e o papel do
Hip-Hop como patrimônio cultural.
Sustentabilidade e inovação no Hip-Hop: depoimentos que inspiram
O painel contou com a participação de nomes expressivos, como CDJ de Goiás, Giovanni Nieto, conhecido como YBNT da Colômbia, Douglas Nunes da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, a produtora cultural Andrea Felix de Uberlândia, Minas Gerais e Jailson Correia, o Preto Mil Grau de Guiné Bissau. Cada um deles trouxe experiências de como o Hip-Hop vem rompendo barreiras e construindo novas possibilidades.
Para o hip hoper CDJ, o Hip-Hop não é apenas um movimento cultural, mas uma ferramenta econômica e social transformadora. “Participar dessa rodada de conversa foi algo muito importante para que a gente pudesse transmitir um pouco do que eu acredito ser sustentabilidade. É buscar meios de capacitar a galera, principalmente nas periferias, para que elas possam olhar para o Hip-Hop como fonte de renda através da música, dança, grafite e discotecagem”, destacou.
Ele também apontou ações concretas em Goiás, como plantio de árvores e hortas comunitárias, que geram não apenas renda, mas também segurança alimentar nas periferias. “O Hip-Hop pode dialogar com a iniciativa privada e o poder público, porque ele traz retorno. Diversas empresas querem seu nome ligado a algo sustentável, e acredito que o Hip-Hop é essa fonte.”
Da Colômbia, YBNT, idealizador do festival ambiental Cuida Natura, compartilhou como o movimento se consolidou em parceria com instituições públicas. “Na Colômbia, conseguimos aliar o Hip-Hop à universidade pública, formando artistas e docentes capazes de ensinar Hip-Hop em escolas, universidades, fundações, e até mesmo em presídios. Nosso trabalho inclui populações indígenas, afrodescendentes e moradores de rua, sempre com um enfoque pedagógico e de paz nos territórios.”
Negro Lamar (Maranhão), DJ Fábio ACM e DJ Big
O papel das políticas públicas e do Conselhão
Representando a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Douglas Nunes destacou a importância do diálogo com o movimento para a construção de políticas públicas mais eficazes. Ele ressaltou a atuação de Cláudia Maciel, conselheira do presidente Lula e uma das articuladoras do seminário, no debate sobre igualdade racial.
“Ela levou ao Conselhão o compromisso de transformar as demandas e propostas geradas aqui em políticas públicas concretas, reforçando a escuta ativa das comunidades.”
Hip-Hop em rede: conexões nacionais e internacionais
Para Andrea Felix, organizadora do UDI Hip-Hop Festival, o impacto do Hip-Hop transcende fronteiras. Ela compartilhou a experiência de Uberlândia, onde o festival se consolidou como o maior do Triângulo Mineiro, fomentando economia criativa e inspirando eventos semelhantes em Salvador, Portugal e Emirados Árabes. “Essa troca fortalece nossa construção nacional e expande nosso alcance. A 14ª edição do festival já conta com apoio da prefeitura pelo terceiro ano consecutivo, mostrando como é possível fazer o Hip-Hop gerar economia e transformação.”
Já Jailson Correia, o Preto Mil Grau de Guiné Bissau, reforçou a essência educativa do movimento. “Um evento como esse traz um dos pilares do Hip-Hop, que é o conhecimento. Esse espaço é fundamental para a troca de saberes e a mistura de culturas, que só fortalecem o movimento.”
Contexto e avanços do Seminário Internacional
O seminário, que ocorre dentro do calendário da Campanha Cultura Negra Vive, celebra o Dia Mundial do Hip-Hop (12/11) e o Mês da Consciência Negra (20/11). A programação diversificada inclui mesas-redondas como “Cultura Hip-Hop como Patrimônio Imaterial”, debates sobre igualdade racial e apresentações culturais de grupos como Atitude Feminina e Viela 17.
Segundo Cláudia Maciel, o evento marca um momento histórico para o movimento. “O decreto nº 11.784, assinado pelo presidente Lula, consolida o Hip-Hop como uma legítima expressão da identidade brasileira. Além disso, o inventário participativo com o Iphan avança no reconhecimento do Hip-Hop como Patrimônio Cultural Imaterial.”
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, e a socióloga Vilma Reis também estão entre os grandes nomes que compõem as discussões. O evento reflete o fortalecimento do movimento como força cultural e política no Brasil e no mundo, apontando para um futuro onde o Hip-Hop se consolida como eixo transformador da sociedade.
Protagonismo das comunidades periféricas
Os debates também destacam o papel das comunidades periféricas como epicentro do Hip-Hop. A conexão entre tradição e inovação surge como um dos principais motores para transformar realidades e ampliar a luta por justiça social e racial.
No segundo dia do seminário, o foco será a implementação de políticas públicas específicas para o movimento, com mesas como “Mulherismo Afrikana e Políticas Públicas para
Homens Negros” e “Cultura de Base Comunitária como Ferramenta de Transformação Social”.
O encerramento ficará por conta do grupo Viela 17, consolidando o Hip-Hop como uma força vibrante e necessária para a cultura brasileira.
Na vastidão da Rocinha, maior favela da América Latina, uma revolução cultural e musical teve início em 1978, impulsionada pelo som que ecoava das caixas de som da Status Disco Dance.
Fundada por Ricardo Pereira e seu parceiro Paulo Roberto, conhecido como Beto, a Status Disco Dance não só embalou a vida de milhares de jovens da comunidade, mas também deixou uma marca permanente na história dos bailes populares cariocas. Essa matéria busca resgatar a memória de uma época em que a música, os encontros e a comunidade se uniram para criar um legado que perdura até hoje.
Rocinha em 1979
O Início da Jornada
A história da Status Disco Dance começa com a visão de Ricardo Pereira, que aos 20 anos decidiu criar uma equipe de som que pudesse trazer para a Rocinha o mesmo tipo de som que fazia sucesso nos bailes do Rio de Janeiro. “A Status Disco Dance foi criada em 1978,
para ser mais exato. Começamos devagar, fazendo as coisas bonitinho. Inicialmente, chamava-se Status Discoteque, mas depois trocamos para Status Disco Dance”, relembra Ricardo.
O objetivo era claro: levar para a favela o que de melhor havia na música, criando uma alternativa de lazer para os jovens que enfrentavam a dura realidade de viver em uma das áreas mais carentes do Rio de Janeiro.
Status disco dance 3 Junho de 1984
Status disco dance – Paulo Roberto (O Beto) em maio de 1981. Salão de Festas no Alto da Boa Vista
A Criação da Equipe
O contexto em que a Status Disco Dance nasceu não poderia ser mais desafiador. A Rocinha, conhecida por sua densidade populacional e pela falta de infraestrutura, era também um caldeirão de cultura e resistência.
“A ideia de criar uma equipe partiu de mim e de um amigo que tenho até hoje, o Paulo Roberto, que a gente chama de Beto. Ele sugeriu: ‘Vamos fazer a nossa equipe, porque o som que está tocando aqui não é o som que toca nos bailes lá fora’. Foi aí que começou a mudança”, explica Ricardo.
A partir dessa decisão, a dupla começou a construir o que se tornaria uma das mais icônicas equipes de som da história da favela.
24 de junho de 1986 no antigo barracão do Império da Gávea
Julho de 1986 – Colégio Paula Brito
Julho de 1986
Os Primeiros Passos e os Desafios
Construir uma equipe de som de sucesso não era uma tarefa fácil. Ricardo e Beto enfrentaram inúmeros desafios, desde a compra de equipamentos até a criação de uma identidade sonora que se destacasse. “Meu único parceiro no desenvolvimento da equipe foi o Beto. Fizemos tudo sozinhos: criamos, compramos materiais, e organizamos os bailes”, conta Ricardo.
Para garantir que os bailes da Status se diferenciassem, a dupla frequentava regularmente o malódromo, um ponto de encontro icônico no centro do Rio de Janeiro, conhecido por ser o lugar onde os maiores DJs e donos de equipes de som do país adquiriam seus discos importados.
O Malódromo: O Coração da Música Importada
Nos anos 80, o malódromo, localizado nas proximidades do Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, era o epicentro do comércio de discos importados no Rio de Janeiro. Ali, vendedores como Machado, mais conhecido como DJ Nazz, operavam verdadeiras lojas a céu aberto, vendendo discos diretamente do chão para quem chegasse primeiro.
Ricardo relembra a intensidade dessas visitas: “Eu corria muito atrás dos discos. Trabalhava numa empresa e, no meu horário de almoço, ia para as lojas pesquisar”, destaca. Esses discos, que vinham de lugares como Miami e Nova Iorque, eram essenciais para manter a qualidade e a inovação musical dos bailes da Status.
Esquema de auto-falantes e carimbos da Status Disco Dance.
O Impacto dos Bailes na Comunidade
Os bailes da Status Disco Dance rapidamente se tornaram o ponto de encontro preferido dos jovens da Rocinha. Naquela época, a violência e a falta de opções de lazer faziam dos bailes uma válvula de escape crucial. “Naquela época, a Rocinha passava por muita violência e não havia muito o que fazer. A única opção era ir ao baile.
Os bailes da Rocinha eram tão bons que até hoje encontro pessoas que dizem estar casadas graças ao baile da Status Disco Dance”, diz Ricardo com orgulho.
Status disco dance
“Sabe quando uma criança conhece um parque de diversões pela primeira vez? Era assim que eu me sentia na Status Disco Dance”. Ricardo Pereira
Ricardo Pereira de camisa verde e o DJ Piu, na época o melhor DJ da Rocinha
Artistas e DJs: A Alma dos Bailes
O sucesso dos bailes também se deve aos artistas e DJs que passaram pela Status Disco Dance. Além de Ricardo, que comandava as pick-ups, a equipe contava com o talento de DJs como Piu, que era considerado um dos melhores do Rio na época.
“Além de mim, tinha o DJ Piu, que era praticamente o número 3 dos DJs do Rio de Janeiro na época. Convidamos também o Corello DJ, que fez um show maravilhoso para a gente, além de William DJ (Willian de Oliveira) e DJ Marcão”, lembra Ricardo.
Os bailes também foram palco para apresentações de artistas consagrados como Paralamas do Sucesso, Silvinho Bláu Bláu, Biquini Cavadão, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, entre outros que ajudaram a consolidar a Status como um dos principais centros culturais da Rocinha.
Dj Piu e seu irmão Kinkas da Rua 2 e DJ Wiliam
DJ Marcão
Dj Piu
DJ Willian com a camisa da Status
Quem conhece Willian de Oliveira, conhece também o Willian DJ. Aos sábados e domingos, ao anoitecer, ele se transformava em carregador de caixas e equipamentos de som da equipe Status Disco Dance. Foi essa dedicação que o permitiu entrar para a equipe e, se
tornar um DJ, passando a comandar os eventos com maestria. Hoje, Willian é uma grande liderança na Rocinha, respeitado por sua trajetória e contribuição à comunidade.
A Transição Musical
Ao longo dos anos, a música nos bailes da Status Disco Dance também evoluiu, acompanhando as mudanças na cena musical internacional. “A transição foi muito boa. Começamos com o som do James Brown nos anos 70, passamos pela discoteque, depois para o funk soul, e finalmente, nos anos 80, para o miami bass”, explica Ricardo.
Essa transição foi importante para manter a relevância da Status e atrair novos públicos, mostrando a capacidade da equipe de se adaptar às novas tendências e manter a animação dos bailes.
Rádio Imprensa: O Pulso da Cultura Funk
A expansão da influência da Status Disco Dance não se limitou aos bailes. A partir de 1984, a equipe conquistou as ondas do rádio com dois programas na Rádio Imprensa, uma das emissoras pioneiras no Brasil a dar espaço ao funk carioca. A Rádio Imprensa, que operava na frequência 102,1 MHz, era uma das FMs mais influentes da época, conhecida por ter sido a primeira emissora em frequência modulada instalada na América Latina.
“Tínhamos dois programas na Rádio Imprensa, de 1984 a 1988. Um era dedicado às músicas dos bailes da Status, das 22h às 23h, e o outro era um programa de flashback, que ia até meia-noite”, conta Ricardo.
A Rádio Imprensa, fundada em 1955, desempenhou um papel crucial na popularização do funk e de outras vertentes musicais na cidade, abrindo suas portas para locatários como a Status Disco Dance e a própria Furacão 2000.
O impacto desses programas foi significativo, atraindo patrocínios e consolidando ainda mais a reputação da equipe na Rocinha. “Esses programas ajudaram a divulgar os bailes e a fortalecer a marca da Status Disco Dance. Comerciantes locais até queriam que a gente fizesse propaganda para eles”, relembra Ricardo.
O Fim de uma Era
Em 1992, Ricardo tomou a difícil decisão de vender a Status Disco Dance, marcando o fim de uma era na Rocinha. “Decidi vender a equipe em 1992. Tinha família e nunca dependi da Status para sustentar meus filhos. Fazia o som como hobby, mas estava vendo meus filhos crescerem sem a figura do pai. Por isso, decidi vender tudo”, explica.
Apesar disso, o legado da Status Disco Dance na Rocinha, continuou a viver através das memórias de quem participou dos bailes. “Até hoje, quando eu vou na Rocinha, encontro pessoas que dizem que conheceram suas esposas nos nossos bailes e estão casadas até hoje”, comenta Ricardo.
Reflexões Finais
Olhando para trás, Ricardo Pereira se emociona ao relembrar os momentos vividos com a Status Disco Dance. “Sabe quando uma criança conhece um parque de diversões pela primeira vez? Era assim que eu me sentia na Status Disco Dance”, diz ele.
A história da Status é um testemunho do poder transformador da música e da cultura popular, especialmente em comunidades como a Rocinha, onde o acesso a espaços de lazer e cultura sempre foi limitado. Hoje, ao revisitar essa trajetória, é possível entender a importância desses movimentos culturais para a formação da identidade de gerações inteiras.
A história da Status Disco Dance é, acima de tudo, uma história de resistência, criatividade e amor pela música. Ricardo Pereira e Paulo Roberto, com sua visão e determinação, criaram mais do que uma equipe de som; eles criaram um movimento que ressoou por toda a Rocinha e deixou uma marca profunda na cultura popular carioca.
Para os jovens de hoje, especialmente aqueles que fazem parte da cena do funk e do hip hop, essa é uma história que merece ser conhecida e celebrada, pois é parte fundamental das raízes culturais que ainda sustentam a música nas periferias do Brasil.
O legado da Status Disco Dance continua vivo, não apenas nas lembranças dos que viveram aquela época, mas também na inspiração que oferece às novas gerações que buscam, através da música, um caminho para transformar suas realidades.
No próximo sábado (10), São João de Meriti será o cenário da 2ª edição do MPB – Música Popular da Baixada, com a presença do renomado rapper chileno MC Egrosone.
Além de seu talento como artista, MC Egrosone é engenheiro de som e gestor cultural, e realizará um pocket show no Espaço Cultural BXD IN CENA, conhecido como Espaço BiC, em Coelho da Rocha, onde apresentará três de suas músicas.
Este intercâmbio cultural foi possibilitado por uma colaboração entre Dudu de Morro Agudo, fundador do Instituto Enraizados, e a produtora cultural Fabiana Menini, de Porto Alegre. Durante sua visita ao Rio de Janeiro para compromissos profissionais, incluindo uma reunião de trabalho com Dudu, Fabiana contou sobre a presença de MC Egrosone e do produtor Mauro QuJota em Nova Iguaçu.
Dudu prontamente sugeriu o Quilombo Enraizados como local para uma apresentação, o que levou à criação de um intercâmbio cultural em Morro Agudo entre os artistas chilenos e rappers locais. Esse intercâmbio se expandiu para uma apresentação no Espaço BiC, reforçando a relevância cultural desse equipamento cultural na região, essa apresentação musical será durante a 2ª edição do MPB – Música Popular da Baixada, que contará com shows dos talentosos Kalebe e Aliviiamaria.
MC Egrosone é uma figura de destaque na cena Hip Hop chilena, especialmente na comuna de La Florida, onde lidera a casa cultural e coletivo Hip Hop Flowrida Escuela. Com mais de 20 anos de experiência, ele tem desempenhado um papel fundamental na organização de eventos musicais, encontros de Hip Hop, oficinas culturais e produções musicais e audiovisuais. Desde 2004, quando iniciou suas primeiras gravações em estúdio, até a fundação de sua própria marca, Rappuro Producciones, em 2007, MC Egrosone se estabeleceu como uma influência significativa na música chilena.
A parceria entre MC Egrosone e Mauro QuJota começou em 2021, no projeto “Training Day” dos Black Monkeys, e desde então evoluiu para uma colaboração contínua. Atualmente, estão trabalhando em um longa-metragem com lançamento previsto para o segundo semestre de 2024.
Jez, um dos gestores do Espaço BiC, enfatiza a importância desse evento: “Realizamos eventos semanais que incluem shows, performances e diversas atividades culturais, sempre com o objetivo de fortalecer a cena cultural local e dar visibilidade aos talentos da Baixada Fluminense. A passagem dos artistas chilenos pelo nosso espaço proporcionará um intercâmbio cultural inédito para muitos.”
Dudu de Morro Agudo, Jez, Samuca Azevedo e Aclor no Espaço BiC
Este evento promete não apenas estreitar os laços culturais entre Brasil e Chile, mas também reafirmar o Espaço BiC como um ponto de encontro crucial para a promoção da arte e da cultura na Baixada Fluminense.
SAIBA MAIS:
O que? Show do rapper chileno MC Egrosone na 2ª edição do MPB – Música Popular da Baixada Quando? 10 de agosto de 2024, às 19 horas Onde? Espaço BiC: Rua Prata 35, Coelho da Rocha, São João de Meriti Quanto? De graça. 0800 Informações?https://www.instagram.com/espacobic/
Olá artistas, educadores, amigos e leitores dessa coluna (quase) semanal. rsrsrsr
No meu texto de hoje quero compartilhar com vocês uma reflexão que venho fazendo sobre hip hop e educação. É um texto que está em aberto, por isso sintam-se a vontade para criticar, pois seus comentários e críticas são extremamente valiosos e contribuirão significativamente para o avanço desta reflexão.
Vamos nessa???
Desde os primeiros passos na cultura hip hop, minha jornada tem sido uma imersão profunda em uma escola de vida única. Posso afirmar que a cultura hip hop foi a universidade mais extensa que participei (participo) ao longo da minha vida, afinal são 30 anos dedicados a essa cultura.
Mais do que uma expressão artística, o hip hop tornou-se um veículo de conhecimento e resistência, moldando não apenas minha visão de mundo, mas também a de muitos outros jovens que, como eu, à época, encontraram nesse movimento uma forma de compreender e questionar a realidade ao seu redor.
O hip hop, com suas quatro manifestações principais —rap, break, graffiti e DJ— sempre foi mais do que apenas entretenimento. Ele é uma resposta cultural às condições sociais e econômicas das periferias, um espaço de contestação e construção de identidade. Para mim, essa cultura foi uma porta de entrada para um universo de ideias e experiências que a educação formal muitas vezes ignorou ou marginalizou.
Através do rap, fui apresentado a livros e autores, discos e compositores, que jamais teria conhecido de outra forma.
Alguns autores e seus textos, cantores e suas letras, passaram a fazer parte do meu repertório intelectual, muitas vezes traduzidos e adaptados pelas letras de artistas que admiro, como Mano Brown. Essas influências ajudaram a formar uma consciência crítica sobre as estruturas de poder e desigualdade, tanto locais quanto globais. Essa formação autodidata, impulsionada pela curiosidade e pelo desejo de compreender o mundo, complementou e, em muitos aspectos, superou a educação formal que recebi.
Não quero com isso afirmar que o hip hop substitui de alguma forma a educação formal, não é isso, minha própria história poderia contradizer tal afirmativa, pois estou prestes a concluir meu doutorado em educação na Universidade Federal Fluminense (UFF), e trabalho de forma muito próxima a universidades e institutos federais, como a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), e até mesmo universidades internacionais como a Duke University e a North Carolina Central University (NCCU).
O hip hop me fez valorizar a educação formal e compreender a importância de participar e colaborar com essas instituições. No entanto, essa riqueza cultural e educativa proporcionada pelo hip hop raramente é reconhecida ou valorizada nas instituições de ensino tradicionais. A inclusão de elementos dessa cultura em currículos escolares e em projetos culturais talvez seja uma forma poderosa para engajar estudantes e promover uma educação mais inclusiva e contextualizada. O RapLab, por exemplo, é uma iniciativa que busca explorar o rap como uma forma de produção de conhecimento em rede. Ao debater questões sociais, políticas e culturais de maneira sensível, acessível e relevante para as realidades desses jovens.
O hip-hop me trouxe de volta à escola, desta vez como um rappereducador. Como alguém que valoriza a diversidade de conhecimentos, meu objetivo é disseminá-los em lares, escolas, ruas, praças, centros culturais, universidades, etc., por meio de escritos, músicas e das vozes poderosas de quem frequentemente não é tido como produtor de conhecimento. O hip-hop tem descolonizado minha mente há 30 anos.
A integração do hip hop na educação não é apenas uma questão de representar culturas marginalizadas; é uma questão de justiça educacional. Os educadores e as escolas têm a responsabilidade de reconhecer e valorizar as diversas formas de conhecimento e expressão que seus alunos trazem para a sala de aula. Incorporar o hip hop e outras culturas urbanas nos currículos é uma forma de legitimar essas experiências e oferecer uma educação mais significativa e transformadora.
No final de 2023, tive a oportunidade de liderar duas sessões do RapLab em uma escola em Ramos, no Rio de Janeiro. Foram três dias de interação com pré-adolescentes dessa escola, refletindo sobre questões raciais, com a presença de professores e diretores. No primeiro dia, tivemos um momento para nos conhecermos e ganharmos confiança uns nos outros; no segundo dia, focamos na produção intelectual; e no terceiro dia, infelizmente, foi o dia da despedida.
Produzimos duas músicas incríveis que se tornaram uma só, pois se completavam devido ao tema. Os estudantes chamaram o diretor da escola e exigiram que aulas de rap fossem incluídas no currículo escolar. Lembro que o diretor comentou que uma pequena revolução havia começado na escola.
DJ Dorgo ministrando o encontro do RapLab em uma escola de Ramos.
Senti uma saudade de algo que ainda não tinha visto nem vivido. Percebi que, se trabalhasse durante um ano com aquelas crianças, poderíamos alcançar resultados incríveis ao final do ano. Imaginei uma sala de aula repleta de referências negras, do hip-hop e das periferias do Rio de Janeiro, com estúdio musical, câmeras de vídeo, jogos e tudo mais que pudesse permitir o máximo desenvolvimento desses jovens.
Logo, entretanto, tirei essa ideia da mente, pois parecia distante da nossa realidade. No entanto, em março de 2024, tive a oportunidade de viajar para Athens, na Geórgia, Estados Unidos, e conheci uma escola onde o professor era rapper. A sala de aula superava tudo o que eu havia imaginado.
William Montu I Miller, mais conhecido como Montu, é escritor, poeta, mentor e organizador comunitário, além de professor na Cedar Shoals High School. Ele também é o Embaixador da Comunidade Hip-Hop de Athens.
Montu é escritor professor na Cedar Shoals High SchoolTravis Willians, Dudu de Morro Agudo e John French na Cedar Shoals High School, em Athens, na Georgia.Sala de aula da Cedar Shoals High School, em Athens, na Georgia.
Os projetos culturais que envolvem o hip hop podem atuar como espaços de resistência e empoderamento. Eles não apenas oferecem aos jovens uma plataforma para expressar suas vozes, mas também os conectam com uma comunidade maior de pensadores e artistas que compartilham suas lutas e aspirações. Esses espaços permitem que os jovens se vejam como agentes de mudança, capazes de transformar suas realidades e contribuir para uma sociedade mais justa.
Em resumo, o hip hop desempenhou um papel crucial na minha formação e continua a ser uma força vital na educação de muitos jovens. Sua inclusão em currículos escolares e projetos culturais é essencial para construir uma educação que valorize a diversidade, promova a equidade e capacite os estudantes a se tornarem cidadãos críticos e conscientes. É através dessas vivências que podemos vislumbrar um futuro onde todas as formas de conhecimento sejam reconhecidas e celebradas.
É isso, chegamos ao fim!!!
Se você discorda, concorda ou tem outras ideias, não deixe de escrever nos comentários e que certamente eu responderei.
A Technics SL-1200 revolucionou a cena musical dos anos 70, contribuindo para o nascimento do turntablism. Feito de aço e alumínio, pesa cerca de 12 kg. Seu prato de 33 cm e 1,75 kg é movido diretamente por um motor Direct-Drive, garantindo tração forte e alto torque. Lançado em 1972, o SL-1200 rapidamente se tornou um padrão na indústria musical, especialmente entre DJs, devido à sua robustez, precisão e funcionalidades inovadoras.
O design do SL-1200 foi criado por Shuichi Obata da Matsushita Electric Industrial. Embora “SL” possa significar “Stereo Lightweight”, isso não está confirmado no manual do equipamento. O SL-1200 é renomado por sua durabilidade e precisão, popular entre DJs e fãs de vinil.
A marca Technics foi fundada pela Matsushita, criada por Konosuke Matsushita em 1918. Technics foi lançada em 1965 para produtos de áudio de alta fidelidade. Konosuke Matsushita é amplamente reconhecido como um dos maiores empresários do Japão, e sua empresa cresceu para se tornar uma das maiores e mais influentes fabricantes de eletrônicos do mundo.
Atualmente, a Technics opera sob a Panasonic Corporation, sem um CEO específico, sendo gerida por executivos da estrutura da Panasonic.
Revolução do DJ: Technics SL-1200
Ao permitir scratches perfeitos, esse toca-discos molda a cultura do DJ e muda a história da música para sempre. O motor Direct-Drive, junto com o braço em formato de “s”, possibilita um controle excelente sobre a velocidade do prato. Você pode mexer no disco e ainda manter uma velocidade constante (graças ao motor), voltando quase instantaneamente à rotação desejada. Isso garante uma performance confiável, sem ruídos ou perda de qualidade do áudio durante a discotecagem.
Gênios como Kool Herc, Wizzard Theodore e Afrika Bambaataa, três dos DJs mais importantes de suas épocas, inventam as técnicas de scratching— as famosas arranhadas em discos de vinyl — e mudam o mundo da música para sempre. Mais do que um excelente toca-discos, o SL-1200 é o instrumento certo na hora certa, abrindo portas para a criação de diversos gêneros musicais e de toda uma cultura em torno dos DJs.
Modelos Technics que modelaram a forma de discotecar.
SL 1200 (1972)
O SL-1200 foi o primeiro toca-discos padrão para discotecas, lançado em 1972. Com um sistema de acionamento direto, oferecia rotação estável e torque poderoso, ideal para a cultura disco. A primeira geração do SL-1200 estava repleta de muitas funções que os DJs desejavam, por isso rapidamente se tornou um toca-discos padrão para DJs.
SL 1200 – MK2 (1979)
O SL-1200MK2, lançado em 1979, foi o primeiro toca-discos Hi-Fi projetado para DJs. Incorporou o sistema Quartz Lock para controle preciso de rotação e um controlador de fader para ajuste de pitch. Seu gabinete de absorção de vibração e design robusto transformaram-no em um “instrumento musical” essencial para DJs
As concorrentes
Os toca-discos Technics SL-1200 são reconhecidos pela sua qualidade, durabilidade e precisão, tornando-se um padrão na indústria de DJs. No entanto, outras marcas como Pioneer DJ, Numark, Reloop, Audio-Technica e Denon DJ também oferecem produtos de alta qualidade que competem diretamente com os Technics SL-1200.
Abaixo, analisei algumas das principais marcas concorrentes:
1 – Pioneer DJ: O PLX-1000 é comparado ao Technics SL-1200 pelo design robusto e funcionalidades semelhantes, destacando-se pela estabilidade e confiabilidade. 2 – Numark: O TTXUSB é popular pela flexibilidade e recursos avançados, incluindo motor de torque ajustável e saídas USB, combinando funcionalidade e inovação a um preço acessível. 3 – Reloop: A Reloop RP-7000 MK2 é um concorrente direto dos Technics SL-1200, conhecida por sua tecnologia moderna e design clássico, atraindo DJs profissionais e amadores. 4 – Audio-Technica: O AT-LP1240-USB oferece construção sólida e conectividade USB, sendo uma alternativa confiável aos Technics. 5 – Denon DJ: O VL12 Prime destaca-se pela construção robusta, torque ajustável e luzes LED personalizáveis, proporcionando uma experiência premium com tecnologia de ponta.
Rappers e suas referências as lendárias Technics
Muitos rappers se referem ao toca-discos simplesmente como “emekás”, “1200”, “Technics”, “Tec 12” e “ones and twos”. Essas músicas destacam a importância dos toca-discos na cultura do hip-hop e mostram como os DJs e suas técnicas de são fundamentais para a cultura.
Aqui estão algumas músicas de rap que mencionam os toca-discos, particularmente os Technics SL-1200, também conhecidos como “1200”, “Technics”, “Tec 12” e “ones and twos”:
1. “Peter Piper” – Run-D.M.C.
Letra: “He’s the king of scratch and he’s here to stay / With Grandmaster flash and the Furious Five / Run-D.M.C. and the DJ on the rise / The king of the cuts with a Tech and two twelves / Sucker DJs, he be paying your dues.”
2. “The Magnificent Jazzy Jeff” – DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince
Letra: “He’s the magnificent / Jazzy Jeff / He’s a DJ, I’m the rapper, he’s the one and twos / With a touch of finesse and the cuts are fresh.”
3. “The 18th Letter” – Rakim
Letra: “Check out my melody / I want you to hear me out / I want to live my life / I’m here for one night / I’m the microphone fiend / On the ones and twos / With the Technics.”
4. “Respect the Architect” – Guru (feat. Bahamadia)
Letra: “DJ on the 1 and 2’s / Technics, the wheels of steel / The architects of hip-hop.”
5. “The Symphony 2000” – Marley Marl (feat. Big Daddy Kane, Kool G Rap, Craig G & Masta Ace)
Letra: “I come in peace, but I do not cease / To wreck your set with my 1200 Techs / You can guess the rest.”
“Colagens, batidas, viradas em contratempo. É coisa pra quem tem talento. DJ que é DJ, nunca foge da raia. Troca a cápsula, dá início na batalha. O representar, os pratos. Esquenta. Faz gostoso. Risca nervoso. Sente firmeza, mano… Põe o vinyl nos toca-discos e não deixa pular. DJ que é DJ representa as MKs. Risca, risca. Buvu buvu pá. Só peso, peso, peso. Buvu buvu pá.” (Escravo das MK`s – Estrutura Verbal)
E surgiram mil novos DJs
Nos anos 70, conseguir equipamento de som era um baita desafio pra quem queria ser DJ. Pra começar, você precisava de pelo menos 2 toca-discos, caixas de som, um mixer e uma coleção de discos de vinyl. Tudo isso custava uma grana que a maioria dos jovens no Bronx não tinha.
Aí vem a famosa história do apagão de 13 de julho de 1977. A cidade de Nova York estava no escuro total, e muitos aproveitaram para saquear lojas. Foi nesse caos que muitos jovens conseguiram seus primeiros equipamentos de DJ. Esse apagão rolou bem no meio de uma crise financeira pesada, e 31 bairros foram atingidos por saques e vandalismo.
DJ Grandmaster Caz, um dos pioneiros do Hip Hop no Bronx, contou à revista Slate que aproveitou a oportunidade: “Fui até o lugar onde comprei meu primeiro equipamento de DJ e peguei um mixer pra mim”, disse ele. “A diferença antes e depois do blecaute foi enorme”.
Esse evento foi tão marcante que inspirou o episódio 4 (“Esqueça a Segurança, Seja Notório”) da primeira temporada da série The Get Down, que mostra imagens reais daquela época.
Antes do apagão, alguns DJs já eram conhecidos, como Kool Herc, Afrika Bambaataa, Grandmaster Flash, Disco Wiz, Grandmaster Caz e o Funky Four Plus One. Mas depois do blecaute, segundo Grandmaster Caz, o número de DJs explodiu: “surgiram mil novos DJs”.
Technics MKs no DMC World DJ Championships
Ganhar o DMC World é o maior prêmio para qualquer turntablist. Vestir a famosa DMC World Champion Jacket é o maior prêmio no DJing.
Os toca-discos Technics MK foram os primeiros modelos usados no “DMC World DJ Championships”, ou “Campeonato Mundial de DJs do DMC”. Esse evento, fundado em 1985, é uma das competições de DJ mais prestigiadas do mundo, reunindo talentos de diversos países para mostrar suas habilidades em técnicas de mixagem e scratching.
Os modelos SL-1200MK2 e suas variações tornaram-se os equipamentos padrão devido à sua robustez, precisão e confiabilidade. O motor e o braço em “S” oferecem o controle necessário para performances complexas e criativas, características fundamentais para os DJs competidores. Esses toca-discos permitem que os DJs executem movimentos rápidos e precisos, mantendo a estabilidade do áudio e minimizando a distorção, essencial para uma performance de alto nível.
A Technics, ao fornecer os SL-1200MK2 para o campeonato, solidificou sua reputação na comunidade DJ. Esses toca-discos não eram apenas ferramentas; tornaram-se ícones culturais, simbolizando a habilidade e a inovação dos DJs. O impacto dos Technics MKs no DMC World DJ Championships ajudou a definir padrões de qualidade e performance, influenciando gerações de DJs e a evolução do Hip Hop.
A escolha dos SL-1200MK2 para o DMC World DJ Championships não foi apenas uma questão de conveniência, mas um reconhecimento de que esses toca-discos ofereciam a melhor plataforma possível para que os DJs mostrassem suas habilidades. A precisão e a durabilidade dos Technics permitiram que os DJs se concentrassem em sua arte, levando o nível das competições a novas alturas e ajudando a expandir a popularidade do turntablism em todo o mundo.
Desde a sua introdução no DMC, os Technics SL-1200MK2 e seus sucessores continuam a ser reverenciados como os toca-discos de escolha para DJs profissionais, tanto em competições quanto em performances ao vivo. A história dos Technics no DMC World DJ Championships é um testemunho da importância desses toca-discos na cultura DJ e na música moderna.
Quando as Technics saíram de cena: o impacto no mundo dos DJ
O ano era 2010 e os fãs de vinyl sofreram um golpe quando a Panasonic anunciou que descontinuaria os produtos analógicos da marca Technics, incluindo a lendária linha de toca-discos.
Em 20 de outubro, a empresa informou que estava encerrando a produção do toca-discos Technics SL-1200MK6, devido a desafios no mercado.
“A Panasonic decidiu encerrar a produção devido ao declínio na demanda por produtos analógicos e à dificuldade de adquirir componentes necessários”, disse a empresa em comunicado ao The Tokyo Reporter.
No ano anterior, a última fábrica de prensagem de vinyl do Japão, Toyo Kasei, havia produzido cerca de 400.000 discos, muito longe do pico de 70 milhões há quatro décadas. A Panasonic afirmou que as vendas dos toca-discos representavam aproximadamente 5% do valor de dez anos antes. Naquele momento, a empresa não tinha planos de relançar toca-discos analógicos.
Desde 1972 até 2010 foram produzidas mais de 3,5 milhões de unidades, tornando o logotipo da Technics um ícone nas casas noturnas.
A comunidade de DJs do Japão reagiu. Tatsuo Sunaga, conhecido como “The Record Chief”, lamentou o anúncio: “Uso esses produtos há cerca de 20 anos e raramente tive problemas. Essa excelência é rara, e o fato de não precisar comprar modelos subsequentes força a mudança.” Mesmo com a diminuição na produção de toca-discos, Sunaga acreditava que os amantes do vinyl não permitiriam que o formato se tornasse extinto. “Não acho que os usuários perderão o interesse”, disse ele.
Na mesma época, as técnicas de mixagem digital se difundiam entre os DJs, que passaram a usar mais computadores do que toca-discos. Os LPs também ficaram fora das prateleiras por algum tempo. Mas, com a retomada no mercado dos discos de vinyl nos últimos anos, em 2019, a Technics retomou a produção da série com o lançamento da sétima geração do lendário aparelho. Em 2022, para comemorar os 50 anos do SL-1200, foi anunciada uma edição limitada de 12.000 exemplares do novo Technics SL-1200MK7L.
Modelos 2024
Atualmente, a Technics oferece quatro linhas de toca-discos: DJ Series, Grand, Premium e Reference. O modelo SL-1200MK7 (DJ Series) custa cerca de mil e cem dólares, ou seis mil reais, sendo o menor valor no site oficial da empresa. Na série Grand, estão disponíveis os famosos toca-discos nas cores prata e preto, semelhantes aos clássicos, mas com novas ferramentas e tecnologia aprimorada. Os valores podem chegar até 4 mil dólares.
Recentemente, a empresa lançou uma colaboração entre a Technics e a Automobili Lamborghini. Como a escolha preferida dos DJs do mundo todo, a Série SL-1200 agora inclui o SL-1200M7B, que reúne os conceitos de som das duas marcas. Este modelo inclui um LP de vinyl com os sons dos motores dos carros principais da Lamborghini, um slipmat e adesivos com designs exclusivos, além da mais alta qualidade de som e funções de DJ abrangentes. O LP tem a imagem de um pneu do modelo mais recente da Lamborghini, o Revuelto.
Onde comprar?
Aqui no Brasil é possível encontrar alguns modelos no Mercado Livre, sendo que os preços dos Technics SL 1200 usados variam bastante dependendo do modelo e da condição. Os mais caros são geralmente aqueles que estão mais próximos da condição de ‘como novos’.
Imortalidade
O equipamento está imortalizado em exibição permanente no Museu de Ciências de Londres junto às tecnologias que “moldaram o mundo em que vivemos”.
Entrevista com “Veilton Freitas: O guardião das Technics SL-1200-MK2 e a arte da customização”
Antes de finalizar este artigo, decidi entrevistar o amigo Veilton Freitas, um verdadeiro mestre na restauração e customização de Technics SL-1200-MK2. Carioca de nascimento, Veilton veio ao mundo no hospital Rocha Faria, em Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro. Ele completará 53 anos em outubro deste ano.
Sobre carreira e experiência
Perguntei a Veilton como ele começou sua carreira como técnico em eletrônica e o que despertou seu interesse específico em reformas e customização de toca-discos, especialmente os modelos Technics SL-1200-MK2.
Veilton Freitas: “Então, Fábio. Vou tentar responder aqui enquanto ainda não liguei o ferro de solda e aquelas coisas todas. Então, em relação a como começou a carreira de técnico, eu já venho de família de técnicos. Meu pai, meu irmão, meu tio, todo mundo já era técnico de eletrônica. Então, eu sempre cresci dentro desse ambiente de eletrônica. Só que assim, eu não queria trabalhar diretamente com isso, então fui seguir outros caminhos.
Aí eu fui trabalhar em oficina de carro, trabalhei muito tempo em oficina de carro, pintando carro. Ajudando, na verdade. Ajudante do pintor. Eu era faz tudo da oficina, né? Eu era tipo um faz tudo. Eu inclusive ajudava o mecânico. Desmontava motor. E com isso eu tive uma experiência com pintura. E aí, quando eu larguei esse serviço, eu comecei a realmente me interessar com eletrônica e comecei a montar um negócio de sonorização. Negócio de equipe de som. E uma coisa, puxa a outra, né?
Monta a caixa de som, monta aquele negócio todinho, e monta os PAs. Comecei a fazer baile. Aí já me interessei pela arte do DJ. Isso em 88, 87… Acho que foi até menos um pouquinho. Aí a gente tocava com o que tinha, né? Antigamente era assim, tocava com qualquer toca-discoss que tinha na equipe. MK2 era luxo. Era só para quem tinha muitas condições, né? Era muito caro. Então no início dos anos 90, eu tive a oportunidade de pegar duas MK2 de um maluco que ia morar em Brasília com a mulher e desfez de tudo aqui, inclusive das MK2. Me passou elas. Mas elas estavam moídas, acabadas. Pitch já não existia. Toda arranhada. Estava velha. Aí eu pensei: – Porra, vou juntar essa experiência que eu já tive com pintura e vou pintar as minhas eu mesmo.”
“Então restaurei e fiz o lance da pintura. Peças, eu tive que sair correndo atrás por aí. Não tinha internet. Muita pesquisa até conseguir algumas peças e conseguir recuperar as minhas MKs. E não tinha lance de serigrafia. Isso aí foi bem depois. Eu tive que fazer um cursinho de serigrafia. Então eu colocava as letras com Decadry. Não sei se você chegou a ver isso. Decadry vendia em papelaria. Tu esfregava e o número e as letra saiam e grudavam no objeto.
Aí eu fiz a marca do Technics com o modelo em cima da pintura do toca-discoss com Decadry. Mas foram só as minhas. Então, até aí tava tranquilo. Quando eu fui fazer baile, festinha, essas coisinhas, que alguns DJs viram que era uma cor diferente, que não existia toca-discos de cor diferente, só existiam prata e preta. Eu acho que a minha foi azul, que eu fiz.
Aí um perguntou: – Onde é que tu comprou?
Daí eu falei: – Fui eu que pintei.
– Ah, não acredito! Mentira.
– Não. Fui eu que pintei. Essa é minha. Eu que pintei” e tal.
– Porra, faz na minha. E foi aí que tudo começou.
O primeiro toca-discos que eu fiz, foi para o Alexandre de Bangu, inclusive, ele faleceu há uns dois meses. O pessoal chamava ele de Shrek. E ele foi o primeiro. Daí outros vieram, outros foram pedindo e começou, cara. Começou, e virou um negócio. Aí eu tive que me profissionalizar melhor, né? Aí eu já fiz a tela de silk screen com as marcas, né, Technics, aquela coisa toda. E foi assim que comecei.”
Antes e depois.
Sobre técnicas e processos
Curioso sobre os desafios que ele enfrenta, perguntei sobre as técnicas e processos envolvidos na reforma de um toca-discos Technics SL-1200-MK2.
Veilton Freitas: “Bom. Desafios para reformar um Mk2? É tudo, né? Tudo é um desafio. Todas as partes têm que ser muito bem analisadas. Tem que ter muita atenção, desde o lixamento. Não pode ter resíduo nenhum embaixo, senão a pintura sai ruim. Tem todo aquele trabalho de primer, lixar, mais primer se necessário, lixar de novo, alisar. Entendeu?
Depois vem a cor, depois entra o verniz. Esses são só os desafios normais, né? Agora o trabalho, sei lá, que deu o desafio. Acho que foi uma dourada que eu fiz. Essa dourada eu fiz para mim. Depois eu acabei passando para o DJ Cientista e aquela deu trabalho, que foi muita tentativa e erro. Eu comprei um pigmento, um candy lá de fora.
Bem, bem amarelo, bem dourado, para poder colocar em cima do cromado para dar o efeito. E aquilo ali foi muito trabalhoso. No início deu muito errado, por isso que eu não faço mais, porque deu muito trabalho. Tive que desfazer e refazer várias vezes. Agora, ferramentas, equipamentos e ferramentas normais. Eu uso um compressor normal.
Pistola normal. Ferramentas básicas. A única coisa que eu tive que fazer diferente, foi uma chave cortada no meio para poder tirar o pivô do braço. Aqueles pivôs que têm no braço para regular, ele tem uma contra porca. Aquilo ali que deu um pouquinho de trabalho. Fiz uma ferramenta só para aquilo.”
Sobre o modelo Technics SL-1200-MK2
Veilton explicou o que torna o Technics SL-1200-MK2 tão especial para os DJs.
Veilton Freitas: “Bom a Technics ela ficou tão popular entre os DJs, por vários fatores. Na minha opinião, o principal é o torque. Ela tem um torque danado. E a precisão, né? A precisão por causa do quartzo, né? Que é aquele cristal que controla a rotação que está sempre sendo reajustada no lugar que você deixa o pitch. Então isso é uma coisa Na época foi inédita. Os toca-discoss não eram assim. Revolucionou, né? Ah, tem muitos fatores, né cara, que ela se popularizou.
O design dela, ah, ela é robusta, pesada, dificilmente dá humming. E a facilidade de acertar o pitch com um potenciômetro deslizante é uma coisa fundamental. Você acerta o pitch rápido, diferente do pitch rotativo, então tem várias características que tornaram ela bem popular, né? A parte que mais critica, na minha opinião, é o braço. O braço é praticamente o coração do toca-discos. Se ele não estiver bem regulado, soltinho e tal, a música vai pular, independente do disco novo ou velho. Então o braço tem que estar perfeito.
Ele não pode ter mal contato nos contatos ali com o shell, né? Se não, o som sai ruim. Se tiver mal contato, um Serato não reconhece. Então tem toda uma complexidade em torno do braço. É uma das partes mais críticas, na minha opinião.”
Sobre o Mercado e a Comunidade
Perguntei a Veilton sobre o mercado atual para reformas e customização de toca-discos clássicos.
Veilton Freitas: “Em relação ao mercado de reforma. Muita gente que já tinha que reformar, já reformou. O que está acontecendo agora é muito mesmo a questão do design. Muita gente personalizando para ficar com a cara de cada um, né? Seguir o gosto de cada um. Muita gente preparando um setup diferente. Então vem muito mais customização do que restauração em si. Restauração tem pouco agora. Eu acho que eu já fiz tudo que tinha que fazer aqui no Rio de Janeiro e alguns lugares também do Brasil. Sobraram-se poucas.
E tem também muita gente que pegou esse bonde e tá fazendo também. Então, dividiu as tarefas por aí, né? Eu acho que eu fui um dos pioneiros. Eu faço isso desde a época do falecido Orkut. Eu já fazia esse trabalho, já, já divulgava fotos e tal, né? Então, já é uma coisa bem antiga. Agora, hoje em dia as tendências muita gente tá usando phaser. Muita gente usando Serato, Traktor, Recordbox. A digitalização está muito expressiva.
Não sou contra a tecnologia. A tecnologia veio para facilitar. Para facilitar o que sempre foi difícil. Antigamente o cara tinha que carregar dez caixas de disco para poder fazer um baile. Agora ele pode levar tudo num pen drive. Facilitou a vida dele. É claro que os saudosistas ainda vão preferir a bolacha. Eu particularmente prefiro. Mas se for um baile de flashback de uma noite toda, vale a pena. Agora, se for uma festinha de poucas horas, é melhor levar uma mídia digital. Fica mais fácil. Facilitou a vida da gente, né? Não precisa carregar aquele peso todo.”
Reações dos clientes
Para encerrar a entrevista perguntei ao Veilton, qual era a reação dos seus clientes ao verem seus toca-discos reformados e customizados pela primeira vez?
Veilton Freitas: “Aí foi muito engraçado. No início eu me divertia. Eu cobria os toca-discoss com um pano. Quando ficavam aqui no balcão prontos, justamente para ver a reação. Cada um tinha uma reação peculiar. Uns ficavam quietos, com a mão no queixo, outros sorrindo. Teve um que levantou o pano, abaixou, voltou, levantou de novo, abaixou. Ele não estava acreditando. Parecia criança. Muito engraçado.
E teve também umas pegadinhas que eu fiz. Um rapaz do sul pediu para colocar a cor do time de futebol dele. Eu esqueci agora qual era o time. Sei que era vermelho. Aí, em homenagem ao time dele, o que eu fiz? Eu fiz o trabalho, tudo do jeito que ele pediu. Vermelho. Mas eu não mandei foto nenhuma.
Mas eu arrumei duas carcaças azuis e cobri com um pano. Na hora que ele veio buscar, ele levantou o pano. Ele quase teve um choque. – Não. Tu errou isso é do Grêmio. Falei: – Ué, mas tu não é gremista? O cara quase morreu. Aí, depois eu fui buscar a dele. Tinha que ver a sensação de alívio. Foi engraçado. Pena que essas coisas não foram filmadas. Nada disso foi filmado. Mas fica para a memória.”
Toca-discos vermelho
As histórias e experiências de Veilton Freitas refletem uma paixão genuína pela arte da restauração e customização, algo que transcende meramente consertar equipamentos. Ele não apenas revive os toca-discos, mas também preserva uma parte vital da cultura DJ. É uma jornada de dedicação e criatividade, onde cada projeto é uma obra-prima. E assim, as Technics SL-1200-MK2 continuam a girar, trazendo nostalgia e alegria para uma nova geração de entusiastas do vinyl.
Veilton entregando os toca-discos do DJ Fábio ACM em 2013.
Há cinco anos, o Hip Hop perdeu um de seus talentos mais brilhantes e inovadores, o DJ Tydoz, também conhecido como TDZ. Para marcar esta data, escrevo este artigo em celebração à vida e à obra de Tydoz. Neste relato, revisito alguns dos momentos mais notáveis de sua carreira, suas contribuições para a cultura Hip Hop e o impacto duradouro de sua arte.
O legado de Tydoz é narrado por meio de depoimentos emocionantes de amigos, colegas DJs e figuras importantes do Hip Hop brasileiro. A trajetória de Tydoz vai além do Hip Hop, deixando uma marca profunda na vida de muitas pessoas.
Nesta homenagem, exploro a sua carreira e suas contribuições únicas para a cultura de DJs, desde a criação dos discos para DJs de competição até sua influência na preservação do vinyl. Através dos depoimentos de amigos e colegas, ofereço uma imagem nítida de um artista cuja paixão pela música e pela cultura Hip Hop continua a ecoar.
Convido todos a relembrar e celebrar a herança do DJ Tydoz, um verdadeiro aliado do ritmo que, mesmo após cinco anos de sua partida, mantém viva a arte da discotecagem.
No cenário vivo do Hip Hop brasileiro, poucos nomes se destacam tanto quanto o de DJ Tydoz. Citado várias vezes no livro “Trajetória de Um Guerreiro” de DJ Raffa Santoro, Tydoz tem uma história que se confunde com a própria evolução do movimento Hip Hop no Brasil, especialmente na região do Distrito Federal (DF).
As raízes e o break na Ceilândia
A trajetória deste grande flamenguista começa no efervescente cenário da Ceilândia, um dos berços do breakdance no Brasil. Nos anos 80, a Ceilândia viu o nascimento de grupos lendários como Reforços e DF Zulu Breakers. Tydoz fez parte desse movimento que, apesar das adversidades, manteve viva a chama do breakdance na periferia do DF. Em sua obra, DJ Raffa Santoro destaca que “No grupo, o rapper era o X. No graffitti, o Snupi, Satão, Fokker e Tempo. Os DJs são TDZ e Léo”.
Encontros na igrejinha e a ascensão de um DJ
Outro ponto importante na carreira de Tydoz foi sua participação nos encontros na Igreja São Paulo Apóstolo, também conhecida como Igrejinha, na Quadra E7 do Guará I. Foi lá, em 1985, que muitos dos primeiros b-boys e amantes do funk eletrônico do DF se encontravam.
Raffa Santoro também ressalta que “Um jovem dançarino, que depois se tornou um dos maiores DJs de performance e militantes do movimento Hip Hop nacional, também frequentava a Igrejinha. Era o TDZ. TDZ se especializou em produzir discos de batalhas nacionais para DJs de todo o Brasil, na série Arsenal Sônico. Foi por uma iniciativa dele que a cultura dos DJs e do vinyl permanece viva até hoje”.
Além de brilhar como DJ, TDZ teve ainda um papel fundamental na preservação e promoção da cultura dos DJs e do vinyl no Brasil. O DJ Raffa explica: “A insistência dele fez com que o Dario (dono da loja Porte Ilegal) corresse o risco de apoiar a única fábrica de vinyl do Brasil, a Poly Som, que fica em Belford Roxo, na Baixada Fluminense (RJ), quando a própria fábrica queria encerrar sua produção. TDZ foi o responsável por manter a chama do vinyl acesa”.
Grupo Morte Cerebral
A parceria com Dino Black no grupo Morte Cerebral marcou outra fase significativa na carreira de Tydoz. O grupo era conhecido por suas letras sérias, abordando temas sobre injustiça social. DJ Raffa Santoro menciona em seu livro que “Dino Black e TDZ formavam o grupo Morte Cerebral, que adotou uma linha de trabalho bastante pesada, com letras sérias e conteúdo político-social”.
Colaborações e “DJ Scratch”
Uma das colaborações mais notáveis de Tydoz foi na música “DJ Scratch”, produzida por DJ Raffa Santoro. Em 1990, Raffa criou uma versão original para o disco DF Movimento, que se tornou um marco. Anos depois, Tydoz foi convidado a participar de uma nova versão dessa música, junto com outros DJs renomados.
DJ Raffa relembra: “Convidamos os DJs TDZ (que ainda era do grupo Morte Cerebral, com o Dino Black), Chocolate (que fora campeão brasiliense de um concurso DJs), Dourado (Código Penal) e o Junior Killa, também falecido, para que cada um fizesse uma versão diferente da música comigo. O Genivaldo cedeu o selo para podermos prensar o disco e a capa foi uma homenagem ao grande DJ Zinho, que servirá de inspiração para todos nós”.
Sua trajetória, como narrada por DJ Raffa Santoro, é um exemplo inspirador de como a cultura Hip Hop pode ser um poderoso instrumento de transformação social.
Quando o TDZ pregou uma peça
No início dos anos 2000, as redes sociais começaram a ganhar força, mas nem todos estavam dispostos a embarcar nessa nova onda digital. O ativista Def Yuri foi um desses resistentes, até que uma brincadeira de seu amigo, o DJ Tydoz, mudou tudo. Em um artigo intitulado “Quer Ser Meu Amigo?”, publicado no portal Viva Favela em 3 de fevereiro de 2005, Def Yuri revelou como foi surpreendido e “forçado” a entrar no Orkut.
“Após um ano de muita resistência às inúmeras tentativas feitas por camaradas de trabalho ou não para que eu aceitasse participar de um sistema de comunicação estilo pirâmide, fui surpreendido pelo ato cara-de-pau daquele que considero um dos ícones da cultura Hip Hop e amigo de longa data, falo do Dj Tydoz, também conhecido como TDZ,” escreveu Def Yuri.
A relutância de Def Yuri era bem conhecida por seus amigos, mas o TDZ decidiu tomar uma atitude drástica para ver seu amigo no mundo digital. Sem avisar, ele criou um perfil para Def Yuri no Orkut. Somente depois que o perfil foi descoberto por outras pessoas, Tydoz enviou um e-mail para Def Yuri com a mensagem: “Aí se fudeu! Login: Def Yuri Senha tal! Vê lá… rs”.
Reação e reflexão
Def Yuri admitiu que sua reação inicial não foi das melhores. “Confesso que a primeira reação não foi das melhores, lembram da minha relutância? Porém, o DJ tem salvo conduto”, ele revelou. No entanto, ao acessar seu perfil e ver as mensagens deixadas por amigos e colegas de trabalho, ele não pôde deixar de rir da situação.
Def Yuri concluiu seu texto com uma mistura de humor e seriedade, ressaltando a complexidade da vida e a necessidade de mudança. A história de como foi “forçado” a entrar no Orkut pelo DJ Tydoz serve como um lembrete de que, às vezes, as brincadeiras entre amigos podem nos levar a novas experiências e reflexões importantes.
“Mantendo o Hip Hop vivo! DJ Tydoz ou simplesmente, TDZ, mesmo morto nos mostra a partir do seu legado que isso é possível, na prática.
Não seguia cartilhas e discursos ensaiados.
Não era teatral. Era adepto do faça você mesmo.
Pra mim sempre será a fiel retratação do Hip Hop livre das amarras, do Hip Hop que não beija-mão.
Do Hip Hop plural, mas autêntico, autônomo e indomesticável!”
Def Yuri (Julho de 2024)
X, DEF YURI, AMARELO, TDZ, GOG (2005)
Depoimento de X do Câmbio Negro sobre Tydoz
Em um depoimento carregado de emoção, X da banda Câmbio Negro, um dos nomes mais respeitados do rap nacional, homenageou seu grande amigo e parceiro, DJ Tydoz. Reconhecido como um dos pilares da cena Hip Hop no Brasil, DJ Tydoz foi exaltado por sua dedicação, pesquisa e contribuição significativa para a cultura Hip Hop.
X destacou a excelência de Tydoz como DJ, enfatizando seu compromisso com a arte da discotecagem. “Um DJ de excelência, um cara que pesquisava muito, treinava muito, conhecia muito, buscava sempre a informação, estava sempre garimpando discos, músicas,” disse X.
Ele relembrou o impacto dos discos “Electro Overdose” e a coleção “Arsenal Sônico”, esta última sendo, segundo X, a primeira série de discos de vinyl produzida especificamente para DJs brasileiros, marcando um momento crucial na história do Hip Hop nacional.
O depoimento enfatiza a importância do trabalho de Tydoz na pesquisa e compilação de frases e efeitos para DJs, utilizando vozes de artistas brasileiros, o que representou um marco na cultura Hip Hop. “Foi o responsável por fazer os discos ‘Electro Overdose’, as músicas que a gente dançava break na época dos anos 80 e também por fazer a lendária coleção ‘Arsenal Sônico’”, afirmou X.
Ele ressaltou que, “antes, nós usávamos os discos com frases em inglês, e ele teve todo esse trabalho de pesquisa, de procurar as frases nos discos de rap, para poder colocar isso em vinyl, para que os DJs usassem, além de efeitos scratches e colagens com a voz de artistas brasileiros”.
X também criticou a falta de reconhecimento de Tydoz dentro da cena atual, lamentando que muitos DJs utilizem seus discos sem conhecer a origem ou o valor histórico por trás deles. “Hoje tem muito apertador de botão aí que diz que é DJ, mas não sabe, não valoriza a verdadeira arte da discotecagem. E às vezes tem DJ até utilizando esses discos sem saber quem foi o criador”, desabafou X.
X encerrou sua homenagem afirmando que, apesar da falta que DJ Tydoz faz, seu legado permanece indelével na história do Hip Hop brasileiro. “É só um pouco da história desse grande entusiasta, desse grande DJ. Faz muita falta, mas escreveu o nome dele na história do Hip Hop nacional”, concluiu X, reforçando a imensa contribuição e o impacto duradouro de Tydoz na música e cultura Hip Hop do Brasil.
CÂMBIO NEGRO
Arsenal Sônico: O legado revolucionário de DJ Tydoz na cultura Hip Hop brasileira
“O ano: 2000. O crime, a extinção do vinyl. Mas não existe crime perfeito. E eis que na periferia surge a resistência. Soldados do ritmo lutam incansavelmente contra a tirania do som digital. Um deles, Tydoz, também conhecido como TDZ. Meu parceiro prepara rajadas certeiras. Prepare-se! Porque seu Arsenal Sônico nunca esteve tão abastecido. O resultado é uma batalha sonora. Que vença o vinyl. (Voz: GOG)”
Acima, a abertura do Arsenal Sônico Vol.2. O famoso álbum verde.
Logo após a vinheta de abertura com a voz do X. Só o TDZ para juntar duas das mais poderosas vozes do rap do DF. Peguei esse trecho e mandei o áudio pro GOG que respondeu:
“Que louco, hein, mano. Foi bom relembrar isso aí. É a verdade. Falar sobre o Tydoz, principalmente como profissional, facilita muito. Porque ele foi um precursor, um desbravador, né, mano. Isso trouxe muita consistência pra minha estrada, porque nós estávamos crescendo profissionalmente no mesmo momento. Embora ele fosse mais novo que eu, a evolução do Tydoz era uma coisa impressionante. Ele tava pra além do tempo. Ele nasceu com a mente avançada muitos anos. E a engenharia do Tydoz, essa estrutura que ele montou, já foi pensado né, mano? Em segurar todos os momentos, tanto aqueles que o som tá na pista como também quando a gente tem a escassez da possibilidade do vinyl. E essa fala aí que eu fiz, ela é muito rica em relação a isso. A gente viveu esse momento”. (GOG – 4 julho de 2024 pelo WhatsApp)
Assim, começa o segundo volume da coleção Arsenal Sônico, uma obra-prima de DJ Tydoz que revolucionou a cena do Hip Hop. Este visionário, nascido e criado em Brasília, desafiou as tendências digitais da época e manteve vivo o legado do vinyl com suas produções inovadoras.
A criação do Arsenal Sônico
Em meio à transição do analógico para o digital, DJ Tydoz lançou a coleção Arsenal Sônico, uma série de discos de vinyl projetados especificamente para DJs de competição.
A série rapidamente se tornou uma ferramenta essencial para DJs em todo o Brasil. Marola, parceiro de Tydoz na produção e distribuição da coleção Arsenal Sônico, recorda.
“Eu conheci o TDZ em meados de 2001, através do DJ Beetles, DJ RCD (Firma de Scratches), que eram os caras da cena do vinyl. Eu já conhecia eles há mais tempo, ali o Beetles, da Feira do Rolo, de Ceilândia. E aí, o TDZ tinha lançado o Arsenal Sônico volume 1 e estava lançando volume 2, em parceria com a CD Box. Eu comecei a vender os discos para CD Box, levando para São Paulo, trocando, trazendo outros, fazendo este intercâmbio aí, Brasília-São Paulo. E o Tydoz vendo isso, me convidou para fazer uma parceria para prensar o Arsenal Sônico volume 3. Que foi um sucesso. A gente fez um álbum duplo. Naquela época poucos discos saíam duplos e estourou. Todas as lojas vendendo. Aí ele rompeu com a CD Box e me convidou para distribuir todos os discos dele. Aí veio o volume 4, 5 e o 6. E o TDZ é o seguinte, ele acreditou no meu trabalho, né? Na Marola Discos. Na época, estava nascendo o selo Marola Discos e ele foi uma peça muito importante para mim porque ele acreditou em mim. Através dos discos Arsenal, eu comecei a introduzir os meus CDs também nas lojas, junto com os discos de vinyl. Então o TDZ foi um cara que abriu as portas para mim. Eu já conhecia a Galeria 24 de maio em São Paulo. Depois eu comecei vendendo para outros estados, abastecendo todas as lojas do Brasil. Foi importante as portas que o TDZ abriu. Na época não existia disco de vinyl de batidas e efeitos. Só gringo. O TDZ fez o primeiro disco de batidas e efeitos, junto com Marcelinho, do Câmbio Negro. E aí, era legal porque a Porte Ilegal lançava um em São Paulo, a gente lançava um aqui de Brasília. E aí ficou aquela. Não uma disputa, mas aqueceu o mercado brasileiro, né? Foi da hora. E assim, só agradeço. Só tenho boas lembranças do Tydoz. O cara, que confiou na minha pessoa. Eu tenho uma gratidão enorme. E o Hip Hop, os DJs do Brasil, todos agradecem a contribuição dele, até porque o vinyl dele chegou em boa hora e todos os DJs compraram. Porque facilitava a vida dos DJs. Um disco de batidas de efeitos com frases do rap nacional. Foi muito da hora conhecer o TDZ, mano. O que ele fez pelo Hip Hop brasileiro foi foda.”
Impacto na cultura do DJ
DJ Tydoz, DJ Raffa Santoro, DJ Elyvio Blower, DJ Celsão (Já falecido), DJ Toninho Pop e DJ Leandronik
O Arsenal Sônico não foi apenas uma coleção de discos; foi um movimento que uniu DJs de todas as partes do Brasil. DJ Hool Ramos, fundador do Clube do Vinyl do DF, destaca a contribuição de Tydoz: “O TDZ, com a série de discos do Arsenal Sônico, teve uma grande contribuição para a cultura do DJ, não só do Distrito Federal, mas do Brasil. Por conta da produção dos LP’s. Antes de falecer, estava prevista a produção do Arsenal Sônico volume 7”.
DJ Hool Ramos também relembra momentos significativos compartilhados com Tydoz: “Ele participou do primeiro Clube do Vinyl DF em 2009. Depois ele participou do Clube do Vinyl em 2013 onde nós tivemos a participação do DJ Celsão. Teve também a participação do TDZ no Clube do Vinyl DF de 2012, no qual ele foi homenageado ainda em vida. Se eu não me engano, ele recebeu duas homenagens do Clube do Vinyl. Uma em 2012 e uma em 2013″.
Ele destaca a importância das homenagens póstumas a Tydoz: “Ele foi homenageado também uma terceira vez, pós mortem, onde recebeu das mãos da sua filha e da sua esposa no evento Arte Urbana em Ação em agosto de 2023 em Sobradinho. Um projeto que foi apoiado pelo FAC e coordenado por mim e com apoio do Clube do Vinyl DF e do Alan DEF. O TDZ era um camarada ímpar. Um atleta. Não bebia. Não fumava. E fatidicamente faleceu, mas deixa o seu legado. O homem se foi, mas o legado do artista ficou. Nas suas obras. E por isso não tem como não lembrar dele. Salve o TDZ”.
DJ Nino Leal, uma lenda do Hip Hop no Rio de Janeiro e campeão de diversos títulos nacionais e internacionais, também reconhece a importância de Tydoz: “Eu conheci o Tydoz de nome, né? Esse maluco aí contribuiu demais com a cultura, muita coisa. Vários discos, todos os DJs que são da nossa área usaram os discos dele. Ajudou demais da conta, tudo. Esse cara aí colaborou muito”.
A influência de Tydoz foi sentida profundamente por aqueles que o conheceram pessoalmente. DJ Léo Cabral, importante DJ da cena cultural de Brasília, relembra a generosidade e o impacto do amigo: “Cara, o Tydoz era um ser humano muito sangue bom. Baita DJ. Se fez contribuir muito com a cena dos DJs e o Hip Hop nacionalmente. Fez várias participações com scratch em vários álbuns. Lançou o lendário ‘Arsenal Sônico’, discos de vinyl para DJs. Todos eles chegavam lá em Fortaleza – CE. Na minha época de militância por lá, ele mandava para gente revender nas lojas, tirando uma porcentagem para termos a grana para fazer o Hip Hop acontecer. Ajudou muito!”
Outro testemunho marcante vem de DJ Beetles, também de Brasília, que homenageia Tydoz com carinho: “Hoje, presto homenagem a um amigo que deixou uma marca indelével na cultura Hip Hop. DJ Tydoz apenas não conhecia e tocava músicas, e sim criava experiências únicas, transformando discos em histórias que se tornaram trilhas sonoras de nossas vidas. Sua contribuição vai além da música; seus discos de batidas Arsenal Sônico, uniu pessoas de diferentes origens e estilos sob o mesmo ritmo, mostrando que o Hip Hop é uma forma de expressão e resistência. Seu legado vive em cada um de nós que teve a sorte de conhecê-lo”.
DJ Beetles continua e expressa a profunda influência pessoal de Tydoz: “Tydoz, você nos inspirou a ser autênticos, a buscar nossa própria voz e a nunca desistir de nossos sonhos. Por isso o DJ Scratch Campeonato saiu do papel. Você não foi apenas um DJ, você foi um amigo, mentor e irmão que sempre estará em meu coração. A cultura Hip Hop nunca será a mesma sem você, sou e somos eternamente gratos por tudo que nos deu”.
DJ Erick Jay, um dos poucos DJs do mundo a conquistar cinco campeonatos mundiais, enfatiza a importância dos discos de Tydoz: “Infelizmente, há cinco anos atrás, tivemos essa perda terrível pra cena. O DJ Tydoz era uma pessoa muito importante, um dos pioneiros a fazer os discos nacionais especializados para DJs de competição, o Arsenal Sônico. E eu tenho todos ainda, e guardo com muito carinho. E foi muito importante ele ter feito isso, porque o acesso era difícil da gente, né? O acesso era difícil. O acesso aos discos importados, dos DJs que a gente gosta lá fora. E o Tydoz ajudou demais, demais a cena. O acesso aos efeitos, as frases, ficou mais fácil, entendeu? E ele pegava os arquivos com os efeitos nacionais e os internacionais, as frases dos rappers, entendeu? Que ajuda demais assim na batalha de DJs. Enfim, pra colagem, entendeu? Esse foi um grande. Foi um grande passo. Foi uma grande perda”.
Japão (Viela 17), relembra com carinho o DJ Tydoz: “Ele era um grande DJ de performance, um DJ de grupo de rap. Um grande irmão e flamenguista, né? Um cara massa. Tenho um carinho muito grande por ele”.
Japão comenta a foto acima: “Essa foto aí foi no dia que nós gravamos a música ‘Se Esse Som Estourar’ em SP, com participação do Thaíde e DJ Hum, produção do Fábio Macari. Nesse tempo o Tydoz estava trabalhando com a gente como DJ”.
DJ Ocimar, de Ceilândia, DF, compartilha a saudade e a reverência por Tydoz: “DJ Tydoz foi uma grande referência no DF. Para Brasília. Eu tive a oportunidade de conhecê-lo. Ele era o cara da informação no tempo que a internet não era tão popularizada. Ele sempre foi um cara das informações. Ele falava bem inglês, conseguia traduzir muitas coisas que chegavam por aqui, as músicas e toda aquela situação no mundo dos DJs, dos campeonatos e tudo mais. Ele encomendava muita coisa lá de fora, que chegavam pra ele e ele passava essas informações pra gente. E também, daí ele viu a dificuldade que nós DJ ‘s aqui no Brasil, principalmente no DF, tínhamos de comprar os discos importados de efeitos. A gente via os campeonatos lá de fora, os caras com os discos tudo montadinhos de efeitos para os campeonatos. E aí então, foi onde ele teve essa ideia de fazer e de produzir aqui no Brasil. E aí ele fez uma parceria lá em São Paulo, depois ele fez com o DJ Marola aqui em Brasília, que eram os discos Arsenal Sônicos. Esses discos são raridade. Hoje esses discos custam caro na internet. Muito caro, mesmo! Se você for procurar aí. Foram várias edições. Até o volume seis. Ele também teve programa no rádio. Ele é oficialmente o DJ da DZ Zulu Breakers. O Tydoz então foi uma referência. Ele deixou seu legado pelo Hip Hop DF, pelo Hip Hop no Brasil e no mundo. E a gente devia ter mais ou menos a mesma idade. Então eu, com esses 30 anos de Hip Hop, o DJ Tydoz fez parte dessa história. Fez parte dessa história comigo também. Que ele esteja num bom lugar. Que Deus lhe conceda paz. E para os familiares e amigos que ficaram aqui, o conforto da saudade, né? Quando a gente perde uma pessoa que é importante pro ser humano, pra vida, né, pra esse mundo que veio pra cá e faz seu nome, seu legado. Deixa realmente saudades. É isso. DJ Tydoz, esteja em paz. Foram cinco anos. Vou falar, hein gente. Passou rápido, hein? Que isso? Paz a todos”.
DJ Portela, autor do livro 11 343 Lei Para Prender Os 4Ps, relembra com emoção sua relação com Tydoz: “O cara fez disco de vinyl pra gente tocar e era um professor, né, pra gente. Então assim, ele, além dessa simplicidade e profissionalismo com que ele tratava o Hip Hop já ali em 95 e tudo, e depois quando eu fui conhecê-lo indo ali por 97, 98, ele sempre foi um cara muito, muito tranquilo”.
Portela também destaca a paixão de Tydoz pela escrita: “Uma vez ele falou que queria escrever para um site de Hip Hop. Eu escrevia para o Real Hip Hop e aí arrumei uma coluna pra ele lá e ele ficou muito feliz. E a alegria dele era tanta, parecia uma criança ganhando uma festa. Ele queria escrever sobre o que o DJ pensava. Sobre como fazer discos de vinyl. Queria escrever sobre como a cultura poderia ser profissionalizada, melhorada, encarada como uma cultura de verdade, ser aceita pela mídia, aceita por todos, e eu lembro, que é uma das lembranças que eu tenho dele, dessa felicidade. E eu lembro que eu fiz assim numa simplicidade, e não achava que era tão importante para ele. E foi muito importante para ele escrever e poder falar”.
Portela relembra a generosidade de Tydoz: “E sempre quando a gente se encontrava ele era sempre muito solícito aos meus pedidos. Eu tenho os Arsenais, todos os Arsenais Sônicos. Tenho os discos de batidas e efeitos. Eu não consegui comprar nenhum, né? Porque ele não deixava eu comprar. Ele falava: – Portela, você é moleque nosso. Eu vou te passar aqui. – Portela, chegou Arsenal. Chegou Batidas e Efeitos. Vem aqui pra gente trocar uma ideia sobre os discos. E umas coisas que eu achava massa nele é que ele fazia questão de colocar muitas frases do rap de Brasília dentro dos Arsenais Sônicos e chama assim a prioridade pro Câmbio Negro, que ele gostava. Pela proximidade que ele tinha com X”.
DJ Chiba do grupo Opanijé expressa profunda emoção ao falar sobre DJ Tydoz, destacando sua importância colossal na cultura Hip Hop. Chiba relata ter conhecido Tydoz através do segundo disco de GOG, Vamos Apagá-los com Nosso Raciocínio (1993), onde Tydoz foi co-produtor de algumas faixas. Ele elogia a habilidade técnica excepcional de Tydoz no turntablism, scratch, back-to-back e mixagem, além de seu vasto conhecimento sobre a história e os grupos de Hip Hop.
Chiba menciona: Tydoz “era uma referência muito grande pra todos nós, assim, pra minha geração, principalmente”. Ele acrescenta: “Era um dos DJs diferenciados em todos os sentidos. E assim, na questão de talento, o cara era um absurdo nas técnicas de turntablism, nas técnicas de performance de DJ, de scratch, de back-to-back, de mixagem. O cara era um monstro, o cara era um absurdo, o cara era uma referência muito grande pra todos nós, assim, pra minha geração, principalmente”.
Chiba lembra com carinho da amizade que desenvolveu com Tydoz, destacando sua generosidade e a dedicação em fazer a cena dos DJs brasileiros evoluir. “Eu tive o privilégio de me tornar amigo dele… ele sempre foi uma figura muito generosa comigo,” diz Chiba. A perda de Tydoz foi um golpe profundo para a geração de DJs, mas seu legado perdura entre os verdadeiros amantes e ativistas da cultura Hip Hop. Chiba conclui: “O seu legado não vai ser esquecido jamais pelos verdadeiros amantes da cultura Hip Hop, pelos Hip Hoppers, que são ativistas também. Enfim, é uma figura que não merece ser esquecida e sempre ser lembrada e reverenciada.”
O deputado distrital Max Maciel também prestou homenagem a Tydoz: “O TDZ fez parte de uma história do rap do Brasil e do Distrito Federal. Importante nome de muitos grupos como o próprio GOG e tantos outros grupos no DF que passaram pelas mãos do TDZ, que seguiu a sua caminhada, seu legado, da música. Numa época em que o Hip Hop era muito mais criminalizado. Então fica aqui a memória, o registro, da gente sempre saudar as pessoas e respeitar o legado de cada um em vida, mas sobretudo aqueles que já partiram, já fizeram a passagem. Tydoz na nossa memória sempre”.
“Juntem-se breakers, rappers, grafiteiros do DF, de São Paulo, BH, Goiânia, Maranhão, Piauí, Ceará, unidos nós somos foda o bicho vai pegar.”
(Boicote – Câmbio Negro, 1995)
“Referência valiosa no meu trabalho”
Eu também, DJ Fábio ACM, “durante a década de 2000, adquiri toda a coleção de discos Arsenal Sônico e também a coleção Porte Ilegal. Usei muitos cortes do volume 2 verde do Arsenal no repertório da minha banda de rap, Antizona. Em todos os volumes do Arsenal, o TDZ sempre destacava as vozes do X (Câmbio Negro). Foi de lá que tirei a frase para o scratch da música “Não Pixe! Grafite!”, utilizando a palavra “grafiteiros”, e para a música “Direitos”, usei a frase “o bicho vai pegar”, ambas com a voz do X. Eu já tinha o vinyl “Diário de Um Feto” do Câmbio Negro, mas encontrar frases do Thayde, GOG, Cambio, Racionais, Japão, Baseado nas Ruas, todas no mesmo disco, facilitava muito a vida do DJ. Eu já era fã do TDZ. Até que o Def Yuri, do Ryo Radical Repz nos apresentou. Em 2003, eu e o Def fizemos uma viagem do Rio para Brasília e assistimos a um show do Racionais junto com o TDZ. Ficamos na casa dele, acho que era no Guará. Foi minha primeira vez em Brasília, e nem imaginava que no futuro essa cidade seria meu lar. Na casa dele, o TDZ me mostrou como era o processo de edição que usava para editar as frases e efeitos e construir os álbuns, usando o Acid Pro para cortar os samples e ajustar todos ao mesmo BPM. A influência do TDZ no meu trabalho é clara”.
O Arsenal Sônico não foi apenas uma série de discos, mas uma celebração da cultura Hip Hop brasileira. Tydoz deixou um legado que continuará a influenciar e inspirar DJs e amantes da música por gerações. Como DJ Portela resumiu: “É muita saudade dele porque os bons vão primeiro, e o Tydoz era um desses que deixou saudades”.
Em cada batida e em cada frase, o espírito de Tydoz vive, ecoando a paixão e a resistência que definiram sua vida e obra. Sua dedicação, inovação e amor pela cultura Hip Hop permanecem como uma fonte de inspiração inestimável.
“Peraí TD! Joga pra frente que pra trás é prejú moleque!”
Algumas participações notáveis:
Além de suas próprias produções, DJ Tydoz também deixou sua marca em algumas produções icônicas, onde demonstra suas habilidades nos scratches: 1. “E Se Esse Som Estourar?”
○ Álbum: Prepare – GOG
○ Faixa: 06
○ Ano: 1996
○ Ouça Aqui:
2. “DJ Que é DJ Parte 2”
○ Álbum: Riscando Um – DJ Marcelinho
○ Faixa: 09
○ Ano: 2002
○ Ouça Aqui:
TDZ foi o precursor de livesets de Hip Hop no Brasil.
Este programa “Aliados do Ritmo”, produzido e apresentado por TDZ, foi transmitido no dia 05 de julho de 2014 e apresenta um live-set ao vivo com mais de 2 horas de mixagens. Tydoz foi precursor das transmissões de Hip Hop pela internet, com ensaios e performances com djs de todo mundo. Esta sessão ao vivo foi inovadora para a época, pois a internet brasileira ainda não estava habituada a transmitir performances de DJs ao vivo. Esse tipo de conteúdo só ganhou popularidade após a pandemia da Covid-19, quando as festas presenciais foram suspensas devido ao distanciamento social.
Sua música continua, mesmo após sua partida
Na noite de 9 de julho de 2019, a comunidade Hip Hop ficou de luto com a perda de uma de suas figuras mais icônicas. Aos 46 anos, Tydoz faleceu tragicamente, em um acidente de trânsito no Park Way, Brasília. Ele pilotava sua motocicleta Kawasaki Vulcan quando colidiu de frente com uma caminhonete Mitsubishi L200.
O acidente aconteceu às 22h no viaduto da estação Park Way do BRT, próximo à quadra 14. Segundo relatos, o impacto foi devastador, resultando na morte instantânea de Tydoz. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e o Corpo de Bombeiros foram acionados, mas não puderam salvar o DJ, que já estava sem vida quando as equipes chegaram.
A notícia de sua morte gerou uma onda de comoção e homenagens. O PCdoB, partido no qual Niquele Moura Siqueira (Tydoz) trabalhava como analista legislativo na Câmara dos Deputados desde 2002, expressou seu pesar e solidariedade à família. Colegas de trabalho lembraram dele como um profissional dedicado, sempre disposto a ajudar e com um espírito alegre.
Na época, em um tributo emocionado, Gil Souza, Gilberto Yoshinaga e Noise D, do site Bocada Forte, destacaram a importância de Tydoz para o turntablism brasileiro. Eles ressaltaram sua influência, tanto através da internet quanto em eventos ao vivo, e sua contribuição imortal para a cultura Hip Hop.
Despedida
O velório de DJ Tydoz foi realizado na quinta-feira, 11 de julho de 2019, na capela 6 do cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, em Brasília, e a cerimônia de cremação ocorreu no dia seguinte na cidade de Valparaíso, em Goiás. Ele deixa sua esposa Bárbara e duas filhas, Alice e Sara, além de um legado que continuará a inspirar futuras gerações de DJs e amantes do Hip Hop.
A perda de DJ Tydoz é sentida profundamente por todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo e trabalhar ao seu lado. Sua paixão pela música e dedicação ao Hip Hop asseguram que sua memória permanecerá viva nas batidas e scratches que ele tanto amava.
DJ FÁBIO ACM E DJ TYDOZ
Referências:
– Depoimentos coletados diretamente de entrevistas, fornecendo uma visão abrangente e profunda sobre a vida e o legado de DJ Tydoz.
– RAFFA, Dj. Trajetória de um guerreiro: história do DJ Raffa. Rio de Janeiro: Aeroplano Ed., 2007.
– MIRANDA, E. (2013). A poética híbrida da pós-modernidade nos RAPs de GOG: Poeta periferia (Tese de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília.
– Viva Favela: Quer Ser Meu Amigo? Artigo por Def Yuri. 03 de fevereiro de 2005.
– Jornal do Rap. Sexta Nostálgica: 10 anos da morte do Mano Thutão. Artigo por Jefferson 25 de junho de 2016.
– Bom Dia DF, Globo. “Acidente Fatal no Park Way.” Acesso em 10 de julho de 2019.
– Correio Braziliense. “Motociclista Morre em Acidente de Trânsito no Park Way.” Publicado em 9 de julho de 2019.
– Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados. “Homenagem a Niquele Moura Siqueira.” Publicado em 10 de julho de 2019.
– Bocada Forte. “Turntablism Brasileiro Está de Luto por DJ Tydoz, um dos Mais Importantes DJs do Brasil.” Escrito por Gil Souza, Gilberto Yoshinaga e Noise D, em 10 de julho de 2019.
– Correio Braziliense. “Morre DJ Tydoz, Pioneiro e Referência na Cena Hip Hop do DF, aos 46 anos.” Publicado em 11 de julho de 2019.