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  • O Reggae Maranhense: Uma jornada de influência e identidade cultural

    O Reggae Maranhense: Uma jornada de influência e identidade cultural

    São Luís do Maranhão, conhecida nacionalmente como a “Ilha do Reggae”, ou até mesmo a “Jamaica Brasileira”, é uma cidade cuja identidade musical é profundamente entrelaçada com os ritmos caribenhos. Desde a sua introdução na década de 1970 até os dias atuais, o reggae tem deixado uma marca indelével na cultura e na música maranhense, moldando não apenas os sons que ecoam pelas ruas, mas também a identidade e a expressão artística de seu povo.

    A chegada do reggae às terras maranhenses foi marcada por uma mistura peculiar de circunstâncias sociais e econômicas. Fluxos migratórios entre Maranhão e Pará, impulsionados pela construção da estrada de ferro de Carajás, trouxeram consigo não apenas trabalhadores e suas famílias, mas também a riqueza musical do Caribe. Sons caribenhos, especialmente o reggae, encontraram um lar na periferia de São Luís, onde vinis trocados por produtos e disseminados por rádios de ondas curtas e radioamadores do Caribe rapidamente se tornaram trilha sonora dos bairros menos abastados.

    Entretanto, a jornada do reggae no Maranhão transcendeu a mera importação de uma forma estrangeira de música. Rapidamente, o reggae se entrelaçou com a cultura local, adotando novas formas de expressão e identidade. Onde antes havia danças individuais, surgiram coreografias sensuais, enraizadas na ginga maranhense, transformando o reggae em uma celebração coletiva de ritmo e paixão.

    A linguagem do reggae também foi adaptada às realidades locais, com a criação dos “melôs”, versões em português dos títulos das músicas que refletiam a proximidade fonética com o inglês e elementos da vida cotidiana maranhense. Essa apropriação linguística não apenas facilitou a compreensão das letras para aqueles que não dominavam o inglês, mas também solidificou o reggae como uma expressão autêntica da cultura maranhense.

    “Melô do Caranguejo” (White Witch – The Andrea True Connection)

    O papel dos locutores e DJs não pode ser subestimado nesse processo de adaptação e difusão. Eles não apenas transmitiam a música, mas também criavam uma linguagem própria, com termos como “pedra” para descrever um bom reggae, “magnatas” para os empresários dos clubes e “radiolas” como uma versão local dos “Sound Systems” jamaicanos. Nomes como Edmilson Tomé da Costa (DJ Serralheiro), Ferreirinha, Fauzi Beydon (Tribo de Jah), Antônio José, Ademar Danilo, Robert Tchanco, Luzico, Carlinhos Tijolada, Magnata Serralheiro, Natty Nayfson e muitos mais ecoavam pelos salões da cidade, fazendo vibrar os adeptos de suas Radiolas.

    À medida que o reggae ganhava espaço nos bairros periféricos, sua presença começou a ser notada em outras esferas da sociedade. Empresários e donos de clubes viram no reggae não apenas uma expressão cultural, mas também um produto comercialmente viável. A compra de espaço na mídia local permitiu que o reggae migrasse das páginas policiais para as seções de cultura, encontrando aceitação não apenas entre os
    mais pobres, mas também entre a classe média e intelectual.

    Desde então, o reggae cristalizou sua posição como uma força cultural dominante no Maranhão. Shows de artistas internacionais tornaram-se eventos comuns, com apresentações memoráveis de grandes nomes como “The Wailers”, “Jimmy Cliff”, “The Gladiators”, “Gregory Isaacs” e “John Holt”, entre outros. Programas de rádio e televisão especializados proliferaram e o reggae se tornou não apenas uma música, mas um estilo de vida para muitos maranhenses. A exemplo do programa Rádio Reggae, na Rádio Mirante FM, líder de audiência em São Luís nos anos 90, comandado pelo DJ Fauzi Beydon, um dos pioneiros do reggae no Maranhão.

    Assim, a influência do reggae na música maranhense não pode ser subestimada.

    Mais do que apenas uma forma de entretenimento, o reggae tornou-se uma expressão poderosa de identidade cultural, enraizada nas ruas de São Luís e ecoando através dos corações e mentes de seu povo.

    No dia 11 de setembro de 2023, o governo Lula oficializou São Luiz como a Capital Nacional do Reggae, mediante a promulgação da Lei n° 14.668, divulgada no Diário Oficial da União. [Texto integral]

    Referência:
    1. Fernandes, M. S. (2014). A Influência do Reggae na Cultura Maranhense: Um Estudo sobre a Adoção e Transformação de um Gênero Musical Internacional*. Tese de Doutorado,
    Universidade Federal do Maranhão.
    2. Oliveira, R. T. (2010). Ritmos do Maranhão: A Integração do Reggae na Periferia de São Luís. Revista Brasileira de Música Popular, 12(3), 45-67.
    3. Costa, A. L. (2008). Radiolas e Reggae: A Cultura Sonora de São Luís do Maranhão*. São Paulo: Editora USP.
    4. Santos, J. F. (2016). Música e Identidade: A Apropriação do Reggae pelos Jovens Maranhenses. São Luís: Editora UFMA.
    5. Diário oficial – D.O.U de 12/09/2023, pág. nº 8

  • O conflito de gerações no rap brasileiro: Uma análise das críticas e desafios

    O conflito de gerações no rap brasileiro: Uma análise das críticas e desafios

    Para onde o rap brasileiro está caminhando? Essa é a pergunta que venho me fazendo nos últimos anos, pois acompanho de perto a transformação que a cena do rap nacional vem sofrendo, fundindo-se com outras culturas e ritmos, e, ao meu ver, enfraquecendo-se entre tantas possibilidades.

    O que quero dizer com isso? O rap que aprendi a gostar e a fazer faz parte de uma cultura chamada hip-hop, uma cultura com valores muito bem definidos. São exatamente esses valores que vejo esvaírem-se por conta de alguns cliques ou centenas de milhares de reais.

    Não sou preso ao passado; muito pelo contrário, aprecio muito o que as novas gerações vêm produzindo. Sou fã da juventude e dedico minha vida a estar perto deles. Contudo, não posso negar minha preocupação com o caminho que o rap vem tomando há alguns anos.

    Em conversas com alguns amigos próximos e até mesmo lendo nas redes sociais, percebo a insatisfação de alguns artistas e militantes das gerações passadas. Alguns perdem a mão ao criticar, gerando mais polêmicas do que reflexões, pois os jovens contra-atacam com mais ofensas.

    Muitos dos meus contemporâneos pararam de rimar. Alguns, pela exigência da vida e pela luta pela sobrevivência; outros, porque se achavam “velhos demais” para o ofício. Alguns, como eu, continuam na labuta, tentando manter os pés no chão, respeitando a cultura, mas dialogando fortemente com os novos estilos que surgem, conversando com a juventude.

    O difícil é competir com a indústria, que, a meu ver, é o que está realmente sabotando e desconstruindo o rap. Ela mostra para uma geração inteira que está chegando um rap deturpado como sendo o “rap real” e deixa de fora a história que trouxe o rap até aqui, assim como os personagens importantes para essa construção de meio século.

    Acredito que a minha geração, em vez de criticar os novos estilos e os mais jovens, deve disputar, lançar mais discos, produzir mais videoclipes com a música que acreditam ser o “rap real”.

    Escrevo este texto principalmente porque o Killer Mike ganhou três estatuetas Grammy este ano. Um rapper quase cinquentão está no jogo, cheio de gás, disputando da forma mais prazerosa que há: através da música. Afinal, contra uma boa música, não há argumentos.