Nascido em 7 de outubro de 1969, Richard Quitevis, mais conhecido pelo nome artístico DJ Qbert, é uma lenda viva no mundo do DJing. De origem filipino-americana, Qbert é amplamente reconhecido como um dos maiores turntablists de todos os tempos, influenciando profundamente a história do DJing. Seu impacto é tão notável que ele foi nomeado o Melhor DJ dos EUA (America’s Best DJ) em 2010, através de votação popular, e venceu competições de prestígio, como o DMC USA Champion em 1991 e os títulos de Campeão Mundial do DMC em 1992 e 1993. Qbert também foi um dos membros fundadores do Invisible Skratch Piklz, um dos primeiros grupos a aplicar o conceito de banda ao turntablism, criando camadas de sons com scratch, linhas de baixo e solos sobrepostos.
Em 1990, Qbert começou sua carreira musical no grupo FM20, com Mix Master Mike e DJ Apollo. Esse grupo logo chamou a atenção de Crazy Legs, que os convidou para se juntarem ao lendário Rock Steady Crew*. O trio, atuando como Rock Steady DJs, venceu o Disco Mix Club World DJ Championships (DMC) de 1992, solidificando sua posição na elite do DJing mundial. Ao longo de sua carreira, Qbert tem sido um líder na inovação do turntablism e um educador dedicado. Em maio de 2009, ele lançou a Qbert Skratch University (QSU), uma escola de aprendizado online que proporciona uma plataforma interativa para DJs de todo o mundo, promovendo uma comunidade vibrante de artistas do scratch.
Em abril de 2013, durante um debate ao vivo na Skratch University, Qbert compartilhou seus pensamentos sobre a evolução do DJing, a importância da teoria do scratch e como ele encara sua jornada como um eterno estudante da arte.
A Teoria do Scratch: explorando as profundezas do DJing
Mesmo com sua vasta experiência e seus muitos títulos, DJ Qbert se define como um eterno estudante. “Deixe-me começar dizendo que também sou estudante. Ainda estou aprendendo coisas e realmente… Estou apenas arranhando a superfície — desculpe o trocadilho — de aprender sobre a teoria do scratch”, disse ele logo no início da discussão.
Essa humildade e desejo constante de aprendizado são características que definem não só sua carreira, mas também sua abordagem ao ensino por meio da QSU.
A Teoria do Scratch, segundo Qbert, vai muito além das técnicas básicas. Trata-se de uma filosofia que abrange a manipulação criativa do som e a expressão de emoções por meio do scratching. Para ele, o DJing é comparável à arte visual, onde conceitos como volume, profundidade e eco podem ser traduzidos em formas tridimensionais de som. Qbert
menciona que Justin Bua, artista visual, que o ajudou a entender essa conexão. “Bua realmente me ensinou muitas coisas sobre pintura e arte e como isso se aplica à teoria do scratch. Ele estava falando sobre profundidade e coisas assim, e como isso é tridimensional. Eu meio que traduzi isso para o volume, você sabe, como ecoar os scratches e coisas assim.”
Essa abordagem que mistura arte visual e DJing reflete o desejo de Qbert de expandir as fronteiras do que o scratching pode ser. Ele vê o DJing como uma forma de arte que transcende suas raízes no hip hop, uma evolução que está apenas começando. “A teoria do scratch é sobre sair do básico e começar a criar com esse novo vocabulário”, afirmou.
Legenda: DJ Qbert byJustin BUA
De técnicas básicas a uma nova linguagem
Nos anos 1980, quando o scratching começou a surgir na cultura hip hop, ele era amplamente visto como uma técnica rudimentar, usada para adicionar efeitos sonoros às batidas. Hoje, Qbert vê o scratching como uma linguagem completa, que pode ser usada para expressar ideias complexas e emoções profundas. Ele explicou que, à medida que a prática do scratching evoluiu, as técnicas básicas deram lugar a uma verdadeira gramática musical, permitindo que os DJs construíssem frases e contassem histórias por meio do som.
“Agora que sabemos como fazer scratches, a questão é por quê. A teoria do scratch é sobre sair do básico e começar a criar com esse novo vocabulário”, disse ele. Para Qbert, o scratching se tornou um idioma em que o DJ pode “conversar” com o público, criando uma narrativa sonora que vai além das batidas e dos efeitos. Essa evolução técnica é um reflexo direto do que Qbert chama de “gramática do scratch”, onde a compreensão de como os sons se entrelaçam e se sobrepõem se torna a chave para um desempenho mais dinâmico. “Começamos com scratches simples, depois as pessoas começaram a usar o crossfader, depois vieram as técnicas de flaring, o uso do vinil em velocidades diferentes, e então tudo se tornou mais sobre teoria musical, com a cor, a
textura, as emoções, o lado espiritual”, afirmou.
O elemento espiritual no scratching
Um dos aspectos mais fascinantes da abordagem de DJ Qbert ao DJing é a importância que ele dá ao elemento espiritual. Para ele, o scratching não é apenas uma atividade técnica, mas também uma forma de meditação. “Às vezes, eu faço esses exercícios de meditação e, depois de cerca de 20 minutos, entro em um estado onde tudo parece se encaixar. Isso acontece com o scratching também, onde você atinge um estado de foco profundo, onde tudo flui naturalmente”, explicou.
Qbert comparou esse estado de fluxo a um fenômeno que alguns atletas de elite experimentam, onde os movimentos parecem desacelerar, permitindo uma percepção mais clara do que está acontecendo ao redor. Ele mencionou que, durante sessões de scratching, frequentemente atinge um ponto onde suas mãos estão operando no presente, enquanto sua mente está alguns segundos à frente, antecipando os próximos movimentos.
“Quando você entra nessa zona, seus scratches ficam assim, onde você já está pensando no próximo movimento enquanto suas mãos e o som estão no presente”, disse ele.
Essa descrição revela a profundidade com que Qbert encara sua prática, onde o scratching se torna quase uma extensão de sua própria mente e corpo, um meio de expressão onde o
tempo e o espaço parecem se dissolver.
O silêncio como parte da música
Durante a discussão, Qbert também abordou a importância do silêncio na música e no DJing. Ele destacou como as pausas e os espaços vazios podem ser usados para criar tensão e dar mais impacto ao som. “O silêncio é tão importante no scratching quanto o som em si. As pausas criam tensão, assim como na poesia ou na arte, onde o espaço negativo
adiciona significado”, observou.
Essa ideia de usar o silêncio como parte integral da música está em sintonia com o conceito de minimalismo em várias formas de arte, onde o que não é dito ou mostrado é tão importante quanto o que é exposto. Para Qbert, os momentos de pausa no scratching são oportunidades para o DJ criar uma expectativa no público, tornando o retorno do som ainda
mais poderoso.
A transição do vinil para o digital
Embora DJ Qbert tenha começado sua carreira trabalhando exclusivamente com vinil, ele reconhece as vantagens e desafios que as tecnologias digitais trouxeram para o DJing.
Durante a discussão, ele refletiu sobre as diferenças entre o scratching feito com vinil tradicional e o uso de sistemas digitais, como o Traktor.
“Quando se trata de digital vs. vinil, há uma pequena diferença na sensação, especialmente para scratches mais complexos. O vinil me dá mais controle para certas técnicas, mas o
digital é conveniente para performances ao vivo”, explicou Qbert.
Ele mencionou que, embora o vinil ainda ofereça uma sensação única para técnicas mais avançadas, os sistemas digitais permitem que os DJs realizem performances com uma flexibilidade que seria impossível de outra forma. A capacidade de misturar faixas de diferentes fontes e manipular sons digitais em tempo real tem permitido que Qbert e outros
DJs explorem novos territórios criativos.
Essa flexibilidade em usar diferentes tecnologias mostra que, para Qbert, o importante não é a ferramenta em si, mas a forma como ela pode ser usada para aprimorar a expressão
artística.
DJ QBERT tocando AO VIVO
A jornada contínua de Qbert
DJ Qbert continua a ser uma força inovadora no mundo do turntablism, e sua dedicação ao ensino e à expansão das fronteiras da arte do scratching é evidente. Para ele, o DJing não é apenas sobre técnica ou performance, mas sobre criar uma conexão profunda com a música, com o público e com algo maior. Em suas próprias palavras: “Ainda estou aprendendo, e essa jornada nunca vai acabar.”
Com uma carreira que já atravessa décadas, DJ Qbert permanece como uma inspiração para DJs em todo o mundo, mostrando que, independentemente do nível de habilidade ou
reconhecimento, sempre há algo novo a descobrir e a explorar na arte do scratching.
QBert centraliza suas atividades no site oficial www.djqbert.com. A plataforma oferece uma variedade de produtos como discos de vinil, roupas, equipamentos para DJs, além de
downloads de músicas exclusivas. Também abriga a marca Dirtstyle Records, fundada pelo próprio QBert, com lançamentos e acessórios para DJs. O site é voltado tanto para fãs da
cultura DJ quanto para profissionais, incluindo assinaturas que oferecem descontos e acesso a edições limitadas de seus produtos.
DJ Q-Bert – Wave Twisters. Um filme de 2001.
Notas: 1- O Turntablism é a arte de manipular sons e criar músicas usando o toca-discos e mixer. A palavra turntablist foi criada para descrever a diferença entre um DJ, que apenas reproduz discos, de um DJ que manipula e mistura as músicas para criar um novo som. 2- O Rock Steady Crew (RSC) foi uma equipe de breakdance criada em 1979, no Bronx, Nova Iorque. 3- Crazy Legs é um b-boy americano, undador da Rock Steady Crew, e foi destaque nas primeiras histórias sobre breakdance que apareceram na grande imprensa. 4- Justin Bua é um artista conhecido por suas pinturas narrativas líricas de músicos, DJs e personagens. Bua projetou e ilustrou uma infinidade de produtos que que incluem skates, capas de álbuns de CD, vestuário e campanhas publicitárias.
A Technics SL-1200 revolucionou a cena musical dos anos 70, contribuindo para o nascimento do turntablism. Feito de aço e alumínio, pesa cerca de 12 kg. Seu prato de 33 cm e 1,75 kg é movido diretamente por um motor Direct-Drive, garantindo tração forte e alto torque. Lançado em 1972, o SL-1200 rapidamente se tornou um padrão na indústria musical, especialmente entre DJs, devido à sua robustez, precisão e funcionalidades inovadoras.
O design do SL-1200 foi criado por Shuichi Obata da Matsushita Electric Industrial. Embora “SL” possa significar “Stereo Lightweight”, isso não está confirmado no manual do equipamento. O SL-1200 é renomado por sua durabilidade e precisão, popular entre DJs e fãs de vinil.
A marca Technics foi fundada pela Matsushita, criada por Konosuke Matsushita em 1918. Technics foi lançada em 1965 para produtos de áudio de alta fidelidade. Konosuke Matsushita é amplamente reconhecido como um dos maiores empresários do Japão, e sua empresa cresceu para se tornar uma das maiores e mais influentes fabricantes de eletrônicos do mundo.
Atualmente, a Technics opera sob a Panasonic Corporation, sem um CEO específico, sendo gerida por executivos da estrutura da Panasonic.
Revolução do DJ: Technics SL-1200
Ao permitir scratches perfeitos, esse toca-discos molda a cultura do DJ e muda a história da música para sempre. O motor Direct-Drive, junto com o braço em formato de “s”, possibilita um controle excelente sobre a velocidade do prato. Você pode mexer no disco e ainda manter uma velocidade constante (graças ao motor), voltando quase instantaneamente à rotação desejada. Isso garante uma performance confiável, sem ruídos ou perda de qualidade do áudio durante a discotecagem.
Gênios como Kool Herc, Wizzard Theodore e Afrika Bambaataa, três dos DJs mais importantes de suas épocas, inventam as técnicas de scratching— as famosas arranhadas em discos de vinyl — e mudam o mundo da música para sempre. Mais do que um excelente toca-discos, o SL-1200 é o instrumento certo na hora certa, abrindo portas para a criação de diversos gêneros musicais e de toda uma cultura em torno dos DJs.
Modelos Technics que modelaram a forma de discotecar.
SL 1200 (1972)
O SL-1200 foi o primeiro toca-discos padrão para discotecas, lançado em 1972. Com um sistema de acionamento direto, oferecia rotação estável e torque poderoso, ideal para a cultura disco. A primeira geração do SL-1200 estava repleta de muitas funções que os DJs desejavam, por isso rapidamente se tornou um toca-discos padrão para DJs.
SL 1200 – MK2 (1979)
O SL-1200MK2, lançado em 1979, foi o primeiro toca-discos Hi-Fi projetado para DJs. Incorporou o sistema Quartz Lock para controle preciso de rotação e um controlador de fader para ajuste de pitch. Seu gabinete de absorção de vibração e design robusto transformaram-no em um “instrumento musical” essencial para DJs
As concorrentes
Os toca-discos Technics SL-1200 são reconhecidos pela sua qualidade, durabilidade e precisão, tornando-se um padrão na indústria de DJs. No entanto, outras marcas como Pioneer DJ, Numark, Reloop, Audio-Technica e Denon DJ também oferecem produtos de alta qualidade que competem diretamente com os Technics SL-1200.
Abaixo, analisei algumas das principais marcas concorrentes:
1 – Pioneer DJ: O PLX-1000 é comparado ao Technics SL-1200 pelo design robusto e funcionalidades semelhantes, destacando-se pela estabilidade e confiabilidade. 2 – Numark: O TTXUSB é popular pela flexibilidade e recursos avançados, incluindo motor de torque ajustável e saídas USB, combinando funcionalidade e inovação a um preço acessível. 3 – Reloop: A Reloop RP-7000 MK2 é um concorrente direto dos Technics SL-1200, conhecida por sua tecnologia moderna e design clássico, atraindo DJs profissionais e amadores. 4 – Audio-Technica: O AT-LP1240-USB oferece construção sólida e conectividade USB, sendo uma alternativa confiável aos Technics. 5 – Denon DJ: O VL12 Prime destaca-se pela construção robusta, torque ajustável e luzes LED personalizáveis, proporcionando uma experiência premium com tecnologia de ponta.
Rappers e suas referências as lendárias Technics
Muitos rappers se referem ao toca-discos simplesmente como “emekás”, “1200”, “Technics”, “Tec 12” e “ones and twos”. Essas músicas destacam a importância dos toca-discos na cultura do hip-hop e mostram como os DJs e suas técnicas de são fundamentais para a cultura.
Aqui estão algumas músicas de rap que mencionam os toca-discos, particularmente os Technics SL-1200, também conhecidos como “1200”, “Technics”, “Tec 12” e “ones and twos”:
1. “Peter Piper” – Run-D.M.C.
Letra: “He’s the king of scratch and he’s here to stay / With Grandmaster flash and the Furious Five / Run-D.M.C. and the DJ on the rise / The king of the cuts with a Tech and two twelves / Sucker DJs, he be paying your dues.”
2. “The Magnificent Jazzy Jeff” – DJ Jazzy Jeff & The Fresh Prince
Letra: “He’s the magnificent / Jazzy Jeff / He’s a DJ, I’m the rapper, he’s the one and twos / With a touch of finesse and the cuts are fresh.”
3. “The 18th Letter” – Rakim
Letra: “Check out my melody / I want you to hear me out / I want to live my life / I’m here for one night / I’m the microphone fiend / On the ones and twos / With the Technics.”
4. “Respect the Architect” – Guru (feat. Bahamadia)
Letra: “DJ on the 1 and 2’s / Technics, the wheels of steel / The architects of hip-hop.”
5. “The Symphony 2000” – Marley Marl (feat. Big Daddy Kane, Kool G Rap, Craig G & Masta Ace)
Letra: “I come in peace, but I do not cease / To wreck your set with my 1200 Techs / You can guess the rest.”
“Colagens, batidas, viradas em contratempo. É coisa pra quem tem talento. DJ que é DJ, nunca foge da raia. Troca a cápsula, dá início na batalha. O representar, os pratos. Esquenta. Faz gostoso. Risca nervoso. Sente firmeza, mano… Põe o vinyl nos toca-discos e não deixa pular. DJ que é DJ representa as MKs. Risca, risca. Buvu buvu pá. Só peso, peso, peso. Buvu buvu pá.” (Escravo das MK`s – Estrutura Verbal)
E surgiram mil novos DJs
Nos anos 70, conseguir equipamento de som era um baita desafio pra quem queria ser DJ. Pra começar, você precisava de pelo menos 2 toca-discos, caixas de som, um mixer e uma coleção de discos de vinyl. Tudo isso custava uma grana que a maioria dos jovens no Bronx não tinha.
Aí vem a famosa história do apagão de 13 de julho de 1977. A cidade de Nova York estava no escuro total, e muitos aproveitaram para saquear lojas. Foi nesse caos que muitos jovens conseguiram seus primeiros equipamentos de DJ. Esse apagão rolou bem no meio de uma crise financeira pesada, e 31 bairros foram atingidos por saques e vandalismo.
DJ Grandmaster Caz, um dos pioneiros do Hip Hop no Bronx, contou à revista Slate que aproveitou a oportunidade: “Fui até o lugar onde comprei meu primeiro equipamento de DJ e peguei um mixer pra mim”, disse ele. “A diferença antes e depois do blecaute foi enorme”.
Esse evento foi tão marcante que inspirou o episódio 4 (“Esqueça a Segurança, Seja Notório”) da primeira temporada da série The Get Down, que mostra imagens reais daquela época.
Antes do apagão, alguns DJs já eram conhecidos, como Kool Herc, Afrika Bambaataa, Grandmaster Flash, Disco Wiz, Grandmaster Caz e o Funky Four Plus One. Mas depois do blecaute, segundo Grandmaster Caz, o número de DJs explodiu: “surgiram mil novos DJs”.
Technics MKs no DMC World DJ Championships
Ganhar o DMC World é o maior prêmio para qualquer turntablist. Vestir a famosa DMC World Champion Jacket é o maior prêmio no DJing.
Os toca-discos Technics MK foram os primeiros modelos usados no “DMC World DJ Championships”, ou “Campeonato Mundial de DJs do DMC”. Esse evento, fundado em 1985, é uma das competições de DJ mais prestigiadas do mundo, reunindo talentos de diversos países para mostrar suas habilidades em técnicas de mixagem e scratching.
Os modelos SL-1200MK2 e suas variações tornaram-se os equipamentos padrão devido à sua robustez, precisão e confiabilidade. O motor e o braço em “S” oferecem o controle necessário para performances complexas e criativas, características fundamentais para os DJs competidores. Esses toca-discos permitem que os DJs executem movimentos rápidos e precisos, mantendo a estabilidade do áudio e minimizando a distorção, essencial para uma performance de alto nível.
A Technics, ao fornecer os SL-1200MK2 para o campeonato, solidificou sua reputação na comunidade DJ. Esses toca-discos não eram apenas ferramentas; tornaram-se ícones culturais, simbolizando a habilidade e a inovação dos DJs. O impacto dos Technics MKs no DMC World DJ Championships ajudou a definir padrões de qualidade e performance, influenciando gerações de DJs e a evolução do Hip Hop.
A escolha dos SL-1200MK2 para o DMC World DJ Championships não foi apenas uma questão de conveniência, mas um reconhecimento de que esses toca-discos ofereciam a melhor plataforma possível para que os DJs mostrassem suas habilidades. A precisão e a durabilidade dos Technics permitiram que os DJs se concentrassem em sua arte, levando o nível das competições a novas alturas e ajudando a expandir a popularidade do turntablism em todo o mundo.
Desde a sua introdução no DMC, os Technics SL-1200MK2 e seus sucessores continuam a ser reverenciados como os toca-discos de escolha para DJs profissionais, tanto em competições quanto em performances ao vivo. A história dos Technics no DMC World DJ Championships é um testemunho da importância desses toca-discos na cultura DJ e na música moderna.
Quando as Technics saíram de cena: o impacto no mundo dos DJ
O ano era 2010 e os fãs de vinyl sofreram um golpe quando a Panasonic anunciou que descontinuaria os produtos analógicos da marca Technics, incluindo a lendária linha de toca-discos.
Em 20 de outubro, a empresa informou que estava encerrando a produção do toca-discos Technics SL-1200MK6, devido a desafios no mercado.
“A Panasonic decidiu encerrar a produção devido ao declínio na demanda por produtos analógicos e à dificuldade de adquirir componentes necessários”, disse a empresa em comunicado ao The Tokyo Reporter.
No ano anterior, a última fábrica de prensagem de vinyl do Japão, Toyo Kasei, havia produzido cerca de 400.000 discos, muito longe do pico de 70 milhões há quatro décadas. A Panasonic afirmou que as vendas dos toca-discos representavam aproximadamente 5% do valor de dez anos antes. Naquele momento, a empresa não tinha planos de relançar toca-discos analógicos.
Desde 1972 até 2010 foram produzidas mais de 3,5 milhões de unidades, tornando o logotipo da Technics um ícone nas casas noturnas.
A comunidade de DJs do Japão reagiu. Tatsuo Sunaga, conhecido como “The Record Chief”, lamentou o anúncio: “Uso esses produtos há cerca de 20 anos e raramente tive problemas. Essa excelência é rara, e o fato de não precisar comprar modelos subsequentes força a mudança.” Mesmo com a diminuição na produção de toca-discos, Sunaga acreditava que os amantes do vinyl não permitiriam que o formato se tornasse extinto. “Não acho que os usuários perderão o interesse”, disse ele.
Na mesma época, as técnicas de mixagem digital se difundiam entre os DJs, que passaram a usar mais computadores do que toca-discos. Os LPs também ficaram fora das prateleiras por algum tempo. Mas, com a retomada no mercado dos discos de vinyl nos últimos anos, em 2019, a Technics retomou a produção da série com o lançamento da sétima geração do lendário aparelho. Em 2022, para comemorar os 50 anos do SL-1200, foi anunciada uma edição limitada de 12.000 exemplares do novo Technics SL-1200MK7L.
Modelos 2024
Atualmente, a Technics oferece quatro linhas de toca-discos: DJ Series, Grand, Premium e Reference. O modelo SL-1200MK7 (DJ Series) custa cerca de mil e cem dólares, ou seis mil reais, sendo o menor valor no site oficial da empresa. Na série Grand, estão disponíveis os famosos toca-discos nas cores prata e preto, semelhantes aos clássicos, mas com novas ferramentas e tecnologia aprimorada. Os valores podem chegar até 4 mil dólares.
Recentemente, a empresa lançou uma colaboração entre a Technics e a Automobili Lamborghini. Como a escolha preferida dos DJs do mundo todo, a Série SL-1200 agora inclui o SL-1200M7B, que reúne os conceitos de som das duas marcas. Este modelo inclui um LP de vinyl com os sons dos motores dos carros principais da Lamborghini, um slipmat e adesivos com designs exclusivos, além da mais alta qualidade de som e funções de DJ abrangentes. O LP tem a imagem de um pneu do modelo mais recente da Lamborghini, o Revuelto.
Onde comprar?
Aqui no Brasil é possível encontrar alguns modelos no Mercado Livre, sendo que os preços dos Technics SL 1200 usados variam bastante dependendo do modelo e da condição. Os mais caros são geralmente aqueles que estão mais próximos da condição de ‘como novos’.
Imortalidade
O equipamento está imortalizado em exibição permanente no Museu de Ciências de Londres junto às tecnologias que “moldaram o mundo em que vivemos”.
Entrevista com “Veilton Freitas: O guardião das Technics SL-1200-MK2 e a arte da customização”
Antes de finalizar este artigo, decidi entrevistar o amigo Veilton Freitas, um verdadeiro mestre na restauração e customização de Technics SL-1200-MK2. Carioca de nascimento, Veilton veio ao mundo no hospital Rocha Faria, em Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro. Ele completará 53 anos em outubro deste ano.
Sobre carreira e experiência
Perguntei a Veilton como ele começou sua carreira como técnico em eletrônica e o que despertou seu interesse específico em reformas e customização de toca-discos, especialmente os modelos Technics SL-1200-MK2.
Veilton Freitas: “Então, Fábio. Vou tentar responder aqui enquanto ainda não liguei o ferro de solda e aquelas coisas todas. Então, em relação a como começou a carreira de técnico, eu já venho de família de técnicos. Meu pai, meu irmão, meu tio, todo mundo já era técnico de eletrônica. Então, eu sempre cresci dentro desse ambiente de eletrônica. Só que assim, eu não queria trabalhar diretamente com isso, então fui seguir outros caminhos.
Aí eu fui trabalhar em oficina de carro, trabalhei muito tempo em oficina de carro, pintando carro. Ajudando, na verdade. Ajudante do pintor. Eu era faz tudo da oficina, né? Eu era tipo um faz tudo. Eu inclusive ajudava o mecânico. Desmontava motor. E com isso eu tive uma experiência com pintura. E aí, quando eu larguei esse serviço, eu comecei a realmente me interessar com eletrônica e comecei a montar um negócio de sonorização. Negócio de equipe de som. E uma coisa, puxa a outra, né?
Monta a caixa de som, monta aquele negócio todinho, e monta os PAs. Comecei a fazer baile. Aí já me interessei pela arte do DJ. Isso em 88, 87… Acho que foi até menos um pouquinho. Aí a gente tocava com o que tinha, né? Antigamente era assim, tocava com qualquer toca-discoss que tinha na equipe. MK2 era luxo. Era só para quem tinha muitas condições, né? Era muito caro. Então no início dos anos 90, eu tive a oportunidade de pegar duas MK2 de um maluco que ia morar em Brasília com a mulher e desfez de tudo aqui, inclusive das MK2. Me passou elas. Mas elas estavam moídas, acabadas. Pitch já não existia. Toda arranhada. Estava velha. Aí eu pensei: – Porra, vou juntar essa experiência que eu já tive com pintura e vou pintar as minhas eu mesmo.”
“Então restaurei e fiz o lance da pintura. Peças, eu tive que sair correndo atrás por aí. Não tinha internet. Muita pesquisa até conseguir algumas peças e conseguir recuperar as minhas MKs. E não tinha lance de serigrafia. Isso aí foi bem depois. Eu tive que fazer um cursinho de serigrafia. Então eu colocava as letras com Decadry. Não sei se você chegou a ver isso. Decadry vendia em papelaria. Tu esfregava e o número e as letra saiam e grudavam no objeto.
Aí eu fiz a marca do Technics com o modelo em cima da pintura do toca-discoss com Decadry. Mas foram só as minhas. Então, até aí tava tranquilo. Quando eu fui fazer baile, festinha, essas coisinhas, que alguns DJs viram que era uma cor diferente, que não existia toca-discos de cor diferente, só existiam prata e preta. Eu acho que a minha foi azul, que eu fiz.
Aí um perguntou: – Onde é que tu comprou?
Daí eu falei: – Fui eu que pintei.
– Ah, não acredito! Mentira.
– Não. Fui eu que pintei. Essa é minha. Eu que pintei” e tal.
– Porra, faz na minha. E foi aí que tudo começou.
O primeiro toca-discos que eu fiz, foi para o Alexandre de Bangu, inclusive, ele faleceu há uns dois meses. O pessoal chamava ele de Shrek. E ele foi o primeiro. Daí outros vieram, outros foram pedindo e começou, cara. Começou, e virou um negócio. Aí eu tive que me profissionalizar melhor, né? Aí eu já fiz a tela de silk screen com as marcas, né, Technics, aquela coisa toda. E foi assim que comecei.”
Antes e depois.
Sobre técnicas e processos
Curioso sobre os desafios que ele enfrenta, perguntei sobre as técnicas e processos envolvidos na reforma de um toca-discos Technics SL-1200-MK2.
Veilton Freitas: “Bom. Desafios para reformar um Mk2? É tudo, né? Tudo é um desafio. Todas as partes têm que ser muito bem analisadas. Tem que ter muita atenção, desde o lixamento. Não pode ter resíduo nenhum embaixo, senão a pintura sai ruim. Tem todo aquele trabalho de primer, lixar, mais primer se necessário, lixar de novo, alisar. Entendeu?
Depois vem a cor, depois entra o verniz. Esses são só os desafios normais, né? Agora o trabalho, sei lá, que deu o desafio. Acho que foi uma dourada que eu fiz. Essa dourada eu fiz para mim. Depois eu acabei passando para o DJ Cientista e aquela deu trabalho, que foi muita tentativa e erro. Eu comprei um pigmento, um candy lá de fora.
Bem, bem amarelo, bem dourado, para poder colocar em cima do cromado para dar o efeito. E aquilo ali foi muito trabalhoso. No início deu muito errado, por isso que eu não faço mais, porque deu muito trabalho. Tive que desfazer e refazer várias vezes. Agora, ferramentas, equipamentos e ferramentas normais. Eu uso um compressor normal.
Pistola normal. Ferramentas básicas. A única coisa que eu tive que fazer diferente, foi uma chave cortada no meio para poder tirar o pivô do braço. Aqueles pivôs que têm no braço para regular, ele tem uma contra porca. Aquilo ali que deu um pouquinho de trabalho. Fiz uma ferramenta só para aquilo.”
Sobre o modelo Technics SL-1200-MK2
Veilton explicou o que torna o Technics SL-1200-MK2 tão especial para os DJs.
Veilton Freitas: “Bom a Technics ela ficou tão popular entre os DJs, por vários fatores. Na minha opinião, o principal é o torque. Ela tem um torque danado. E a precisão, né? A precisão por causa do quartzo, né? Que é aquele cristal que controla a rotação que está sempre sendo reajustada no lugar que você deixa o pitch. Então isso é uma coisa Na época foi inédita. Os toca-discoss não eram assim. Revolucionou, né? Ah, tem muitos fatores, né cara, que ela se popularizou.
O design dela, ah, ela é robusta, pesada, dificilmente dá humming. E a facilidade de acertar o pitch com um potenciômetro deslizante é uma coisa fundamental. Você acerta o pitch rápido, diferente do pitch rotativo, então tem várias características que tornaram ela bem popular, né? A parte que mais critica, na minha opinião, é o braço. O braço é praticamente o coração do toca-discos. Se ele não estiver bem regulado, soltinho e tal, a música vai pular, independente do disco novo ou velho. Então o braço tem que estar perfeito.
Ele não pode ter mal contato nos contatos ali com o shell, né? Se não, o som sai ruim. Se tiver mal contato, um Serato não reconhece. Então tem toda uma complexidade em torno do braço. É uma das partes mais críticas, na minha opinião.”
Sobre o Mercado e a Comunidade
Perguntei a Veilton sobre o mercado atual para reformas e customização de toca-discos clássicos.
Veilton Freitas: “Em relação ao mercado de reforma. Muita gente que já tinha que reformar, já reformou. O que está acontecendo agora é muito mesmo a questão do design. Muita gente personalizando para ficar com a cara de cada um, né? Seguir o gosto de cada um. Muita gente preparando um setup diferente. Então vem muito mais customização do que restauração em si. Restauração tem pouco agora. Eu acho que eu já fiz tudo que tinha que fazer aqui no Rio de Janeiro e alguns lugares também do Brasil. Sobraram-se poucas.
E tem também muita gente que pegou esse bonde e tá fazendo também. Então, dividiu as tarefas por aí, né? Eu acho que eu fui um dos pioneiros. Eu faço isso desde a época do falecido Orkut. Eu já fazia esse trabalho, já, já divulgava fotos e tal, né? Então, já é uma coisa bem antiga. Agora, hoje em dia as tendências muita gente tá usando phaser. Muita gente usando Serato, Traktor, Recordbox. A digitalização está muito expressiva.
Não sou contra a tecnologia. A tecnologia veio para facilitar. Para facilitar o que sempre foi difícil. Antigamente o cara tinha que carregar dez caixas de disco para poder fazer um baile. Agora ele pode levar tudo num pen drive. Facilitou a vida dele. É claro que os saudosistas ainda vão preferir a bolacha. Eu particularmente prefiro. Mas se for um baile de flashback de uma noite toda, vale a pena. Agora, se for uma festinha de poucas horas, é melhor levar uma mídia digital. Fica mais fácil. Facilitou a vida da gente, né? Não precisa carregar aquele peso todo.”
Reações dos clientes
Para encerrar a entrevista perguntei ao Veilton, qual era a reação dos seus clientes ao verem seus toca-discos reformados e customizados pela primeira vez?
Veilton Freitas: “Aí foi muito engraçado. No início eu me divertia. Eu cobria os toca-discoss com um pano. Quando ficavam aqui no balcão prontos, justamente para ver a reação. Cada um tinha uma reação peculiar. Uns ficavam quietos, com a mão no queixo, outros sorrindo. Teve um que levantou o pano, abaixou, voltou, levantou de novo, abaixou. Ele não estava acreditando. Parecia criança. Muito engraçado.
E teve também umas pegadinhas que eu fiz. Um rapaz do sul pediu para colocar a cor do time de futebol dele. Eu esqueci agora qual era o time. Sei que era vermelho. Aí, em homenagem ao time dele, o que eu fiz? Eu fiz o trabalho, tudo do jeito que ele pediu. Vermelho. Mas eu não mandei foto nenhuma.
Mas eu arrumei duas carcaças azuis e cobri com um pano. Na hora que ele veio buscar, ele levantou o pano. Ele quase teve um choque. – Não. Tu errou isso é do Grêmio. Falei: – Ué, mas tu não é gremista? O cara quase morreu. Aí, depois eu fui buscar a dele. Tinha que ver a sensação de alívio. Foi engraçado. Pena que essas coisas não foram filmadas. Nada disso foi filmado. Mas fica para a memória.”
Toca-discos vermelho
As histórias e experiências de Veilton Freitas refletem uma paixão genuína pela arte da restauração e customização, algo que transcende meramente consertar equipamentos. Ele não apenas revive os toca-discos, mas também preserva uma parte vital da cultura DJ. É uma jornada de dedicação e criatividade, onde cada projeto é uma obra-prima. E assim, as Technics SL-1200-MK2 continuam a girar, trazendo nostalgia e alegria para uma nova geração de entusiastas do vinyl.
Veilton entregando os toca-discos do DJ Fábio ACM em 2013.