quinta-feira, 28 março, 2024

Juventude e Mobilidade Urbana: a conexão cultural entre a Baixada Fluminense e o Centro.

No dia 09 de outubro de 2017, uma segunda-feira, eu (Marlon Gonçalves) e a Beatriz Dias, afim de respondermos algumas questões relacionadas com a juventude e a mobilidade urbana, decidimos acompanhar três outros jovens que cortaram cinco cidades, em uma trajetória de mais de 40 quilômetros, em busca de uma nova experiência cultural.

A missão era curtir o “Slam Grito Filmes”, um evento itinerante de poesia falada, criado por um coletivo formado por cineastas, fotógrafos, cinegrafistas e midiativistas, que funciona como uma batalha de poesias desde 2016 e tem o objetivo de criar conexões e subjetividades vitais para a passagem de cultura oral no país.

A final desta batalha aconteceria na Praça Mauá, no Centro de Rio de Janeiro, às 19 horas. Então partimos pra lá.

Nossos personagens neste artigo são:

  • Caroline Tavares (MoonJay), 20 anos, DJ, fotógrafa, brecholeira, produtora cultural e idealizadora do projeto Literatura das Ruas;
  • Luiz Gustavo Oliveira (Guga), 22 anos, integrante do coletivo Ohana, produtor e empreendedor;
  • Cristiano Rodrigues (Shu), 24 anos, MC, empreendedor e produtor cultural.
Jovens saindo do bairro de Morro Agudo para curtir um saral na Praça Mauá.
Jovens saindo do bairro de Morro Agudo para curtir um saral na Praça Mauá.

A ideia desse artigo é responder algumas questões relacionadas com a mobilidade urbana sob a ótica da juventude periférica, como opções de transporte, valor das passagens, estado de conservação do coletivo, segurança e todas as dificuldades que os jovens da Baixada Fluminense encontram para se circular pela cidade metropolitana.

Para situar nossos leitores, é importante informar que a Praça Mauá fica situada no bairro do Centro, e foi revitalizada há dois anos, no projeto do Porto Maravilha, que visava revitalizar toda a Zona Portuária do Rio de Janeiro. Todos os jovens que participam desta matéria residem em Morro Agudo, o bairro mais populoso da cidade de Nova Iguaçu, a cidade mãe da Baixada Fluminense, bairro este que fica a exatos 41,3 quilômetros de distância do nosso destino final.

As nossas opções de transporte eram:

  1. o ônibus direto, da linha 1491B, da empresa Tinguá, que faz a ligação entre o bairro de Austin, em Nova Iguaçu, e a Praça Mauá, no Rio de Janeiro. A passagem custa R$23,65 (vinte reais e sessenta e cinco centavos) e para de circular às 21 horas em dias úteis. É uma viagem de cerca de duas horas;
  2. tínhamos também a opção de pegar outro ônibus da empresa Tinguá, da linha 491B, que faz a ligação do bairro de Austin, em Nova Iguaçu com a Central do Brasil, e depois pegar outra condução ou continuar o trajeto a pé até o nosso destino. O valor da passagem é R$8,20 (oito reais e vinte centavos), uma viagem de que dura cerca de duas horas e o ônibus para de circular à meia-noite.
  3. outra opção seria a integração entre o ônibus da empresa Vila Rica, que faz a ligação do bairro de Morro Agudo, em Nova Iguaçu, com o bairro da Pavuna, no Rio de Janeiro, e o Metrô. A passagem custa R$8,00 (oito reais) se pago com o RioCard e a viagem dura em média duas horas no total;
  4. a última opção é o trem, que custa R$4,20 (quatro reais e vinte centavos) e a viagem dura em média uma hora. No site da Supervia – empresa que tem a concessão para a operação comercial e manutenção da malha ferroviária urbana de passageiros da região metropolitana do Rio de Janeiro – informam que a estação fecha antes da passagem do último trem, que em dias úteis é até às 23 horas, e nos fins de semana até às 22 horas no sábado e às 21:30 aos domingos. Segundo a Supervia o intervalo entre um trem e outro é de oito minutos.

A primeira meta do rolé era economizar no transporte para poder curtir no evento, então a galera decidiu ir de trem, porque em Morro Agudo, segundo nossos personagens, a maior parte da população ainda dá o famoso calote, utilizando um buraco, feito pelos próprios moradores, há décadas, pra entrar na estação de trem sem ter que pagar a passagem.

Buraco no muro da estação por onde os moradores costumam passar para evitar pagar a passagem de trem.
Buraco no muro da estação por onde os moradores costumam passar para evitar pagar a passagem de trem.

Saímos de Morro Agudo às 18 horas e esperamos por cerca de 15 minutos até a chegada do trem, contrariando a versão do site da Supervia que diz que o intervalo entre um trem e outro é de oito minutos. Partimos em direção à estação Central do Brasil, chegamos 19:40, ultrapassando o tempo médio de aproximadamente uma hora de viagem.

Moonjay explica que apesar de o valor da passagem de trem ser o mais barato, a galera ainda assim dá o calote porque “o preço das passagens é um absurdo e a qualidade não condiz com o valor que a gente paga, além do péssimo serviço oferecido” e que apesar disso, ainda assim é vantagem ir de trem porque “tem engarrafamento pra caralho, em todo lugar”.

Shu concorda com a amiga e ainda complementa dizendo que “o valor da passagem também complica muito, a passagem do trem, por exemplo, custa R$4,20 pra andar apertado, fodido, pegamos o trem 18:00 e não tinha mais lugar, nunca vai ter, se for de ônibus é um engarrafamento doido, perde maior tempão e é muito caro também”.

Como economizar dinheiro era o fator determinante nesse passeio, andamos cerca de 20 minutos até chegarmos à Praça Mauá, o trajeto era extremamente perigoso, mal iluminado, e só encontramos policiamento quando chegamos no local do evento. Estávamos com alguns equipamentos, e se não estivéssemos em grupo, teríamos que ir de ônibus ou VLT.

“É uma experiência maneira, mas é bem complicado, a gente mora bem distante e pra chegar aqui é ‘parcelado’, tem que pegar várias conduções, parece até que é de propósito, demos uma caminhada da Central até aqui, mas o certo seria pegar ônibus. Quem tem uma condição, faz isso”, completa Shu.

A segurança é uma grande preocupação da juventude que se arrisca em sair para se divertir em outras cidades e uma estratégia comum entre eles é andar sempre em grandes grupos, se possível com cinco ou mais pessoas.

Para Guga, transitar pelo Rio é perigoso, independente da hora, pois hoje em dia a violência faz parte da nossa realidade diária, tanto no Centro do Rio de Janeiro quanto na Baixada. Você sai de casa sem saber se volta”.

Moonjay diz que a violência está em todos os lugares, inclusive dentro dos transportes públicos, e afirma que corre risco maior por ser mulher, pois é comum encontrar homens dentro da condução que acham que podem fazer o que querem com as mulheres. “É difícil”, lamenta.

A preocupação de Moonjay pode ser explicada facilmente em uma pesquisa sobre a segurança das mulheres no espaço público feita pela organização humanitária internacional ActionAid, realizada em 2013 em seis cidades de quatro estados brasileiros:

“77% das mulheres têm medo ao esperar o transporte público. Em Heliópolis, São Paulo, e no Complexo da Maré, Rio de Janeiro, os números são acima da média geral: 92% (SP) e 91,1% (RJ) respectivamente têm medo de esperar sozinhas pelo transporte. No total, 43% de todas as mulheres perguntadas já sofreram algum tipo de assédio sexual dentro do transporte público. O número no Rio de Janeiro é superior ao da metade nacional: 66,1%” (apud PAULA & BARTELT, 2016, p.99).

Para Shu, a falta de segurança está também nas estações de trem, pois “só vemos os guardas nas estações de tarde, pra aloprar com os camelôs, depois eles somem, na rua o policiamento é escasso, mesmo quando tem, não dá pra confiar 100%”. E Guga complementa dizendo que “sua segurança pode depender do simples fato de o assaltante ir com a sua cara ou não, tanto os que estão lá pra te assaltar, quanto os que estão pra te ‘proteger’. Somos abordados por policiais como se fossemos marginais e até que se consiga provar o contrário, já levamos aquela revistada bruta, muito tapa, bico na canela… e a gente vai fazer o que em relação a isso?”

Chegamos e o evento já estava rolando, o Slam foi lindo, uma poesia mais bonita que a outra, visivelmente haviam muitos moradores de periferia que estavam ocupando um espaço geralmente frequentado pela classe média carioca.

Alguns poetas abordaram temas relacionados com a dificuldade de se deslocar pra outros lugares e a maior parte do público se identificou com os versos recitados, deixando bem nítido o descaso do governo com muitas regiões do Rio de Janeiro.

O evento terminou às 23h, então a galera se reuniu ao lado do Museu do Amanhã para bater papo. A conversa foi bem descontraída e após o Slam as mentes estavam fervendo, conversamos muito sobre os temas que foram abordados pelos poetas.

Quando o relógio marcou meia-noite todos ficaram apreensivos com o tal “Efeito Cinderela”.

Efeito Cinderela é quando os relógios marcam zero horas e os ônibus desaparecem como em um passe de mágica.

Moonjay afirma que “se der 23 horas e você estiver longe de casa, já sabe que não volta mais. Melhor arrumar um canto pra ficar porque sabe que não vai ter como voltar”.

Para Guga “é complicado sair da Baixada e ir pra qualquer lugar, porque não tem volta, o trem acaba às 22h. Por exemplo, já perdemos o trem hoje. Tem o ônibus que acaba às 23h e se a gente não correr, vamos perder até o ônibus da Tinguá que é R$8,20″.

Jovens de Morro Agudo trocando ideia sobre as várias dificuldades de se locomover no Rio de Janeiro.
Jovens de Morro Agudo trocando ideia sobre as várias dificuldades de se locomover no Rio de Janeiro.

E ele continua, “aí ficamos dependendo de van, que chega a cobrar R$10,00 por ser o único transporte, ou quando os amigos tão com uma condição maneira, geral junto, rola a ‘intera’ do Uber, que é o que tem salvado ultimamente, pois muitas vezes fica mais barato que a passagem, e o Uber ainda te deixa no seu destino exato”.

Partimos caminhando em direção à Central do Brasil, dessa vez fomos pela Pedra do Sal, pelo lado do Morro da Providência, pois o caminho da vinda era muito deserto e estávamos com receio de passar por lá, passamos por cinco viaturas da polícia militar até chegarmos ao nosso destino e uma cena intrigante se repetiu nas cinco vezes que passamos pelos policiais. Um policial estava fora do carro, com o fuzil de lado e o celular na mão, enquanto o outro dormia na viatura. Nós nos entreolhamos e continuamos andando, torcendo para que nada de ruim acontecesse.

Chegamos na Central do Brasil às 00:10, e, como imaginado, não havia mais ônibus, nem o ‘tarifão’, pois o próximo seria às três horas da madrugada, então fomos tentar a sorte na van, e depois de uma hora esperando chegou uma, e após dez minutos ela partiu sentido Queimados.

A passagem custou R$9,00 (nove reais), pois como era o único transporte disponível por ali naquele horário, eles costumam aumentar o preço a reveria.

Chegamos em Morro Agudo às 01:50 e pudemos concluir que o saldo do rolé de quase 08 horas, para curtir 04 horas e passar as outras 03 horas e 50 minutos em trânsito, foi até positivo, se levarmos em consideração que era uma segunda-feira, e que fomos de trem no contra-fluxo e na volta não havia transito.

Certamente essa experiência poderia ter sido ainda mais demorada e dolorosa num final de semana.

Quando os questionei sobre que solução poderia ser tomada para melhorar a qualidade do transporte público, Guga disse que as empresas de ônibus deveriam “primeiramente melhorar as condições de trabalho dos funcionários, pois eu já trabalhei em uma e era tratado como um escravo.

Para Moonjay “os serviços são de péssima qualidade, a maioria não recebe uma limpeza apropriada, alguns motoristas não tem o menor cuidado pelas pessoas que transportam, outros sequer chegam a ter o preparo adequado antes de começarem a trabalhar”.

Já Shu, acha que “colocar mais trens, mais ônibus e organizar os horários” melhoraria bastante.

E quando o assunto foi o preço das passagens, Guga disse que “fazer as empresas pararem de sonegar impostos e baixar o valor da passagem pra no máximo R$2,50” já seria justo. E para Shu, justo mesmo seria “pensar em um jeito de aumentar os impostos das empresas e colocar algumas passagens de graça”.

 

Licença Creative Commons
O trabalho Juventude e Mobilidade Urbana: a conexão cultural entre a Baixada Fluminense e o Centro. de Marlon Gonçalves, Beatriz Dias e Flávio de Assis, faz parte de uma série de reportagens sobre Mobilidade Urbana da 1ª Chamada Pública do Fundo Casa Fluminense e está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional.

3 comentários

  1. Narrativa forte, intrigante. Sonhos que cruzam as trincheiras do Estado no Rio e do Rio no Estado nunca como navegantes num céu de brigadeiros. Sonhos sempre eletrificados em curtos e longos circuitos. Fazem chorar mas sobretudo lutar. Meu máximo respeito.

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