terça-feira, 19 março, 2024

Carta aberta aos amigos e amigas do Instituto Enraizados

Decidimos escrever esta carta para marcar o início de um novo ciclo em nossa trajetória, como um documento que aponta pro futuro.
O Instituto Enraizados é uma organização com 22 anos de existência, atuando principalmente com a juventude de periferia, fisicamente em Morro Agudo e dentro dos limites da Baixada Fluminense, mas com tentáculos que tocam diversas partes do mundo, afinal fomos campeões mundiais de hip hop nos Estados Unidos, fizemos turnê pela Europa e América do Sul, e artistas de diversas partes do mundo pisam anualmente em Morro Agudo para nos visitar.

Nesses 22 anos é sabido que tivemos altos e baixos, muitas conquistas, mas também muitas provações que nos forçaram a desenvolver habilidades que nos permitiram crescer mesmo nas adversidades.
Algumas e alguns de vocês devem lembrar que inauguramos um novo espaço no Quilombo Enraizados chamado “Café com Livros” pouco antes do início da pandemia e foi justamente nessa época que fizemos a última edição do Sarau Poetas Compulsivos, era março de 2020 quando nos percebemos novamente sem chão.

O mundo parou

Tínhamos a opção de parar junto com o mundo ou tentar nos manter em movimento, nos reinventar em meio ao caos que estava se formando.
Decidimos começar a correr, e então o nosso espaço “Café com Livros” se transformou em um depósito de cestas básicas, itens de higiene e limpeza, roupas, brinquedos e kits para as crianças, graças a parcerias com instituições como o Instituto Ekloos, o Banco da Providência e o Instituto Phi (que formam o coletivo Rio Contra Corona), a Ação da Cidadania, o CISANE (Centro de Integração Social Amigos de Nova Era), o JICs (Grupo de estudos e pesquisas com Juventudes, Infâncias e Cotidianos), a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), além de diversas pessoas que nos ajudaram de diferentes formas.

Muitas pessoas que não eram tão próximas de nós começaram a se aproximar, atuando como voluntários numa missão coletiva: levar alimentos para as famílias da Baixada Fluminense que estavam passando por dificuldades. Muitas dessas famílias eram formadas por artistas que não estavam podendo trabalhar por causa da pandemia.
Foram muitas as famílias que conseguimos ajudar nesses dois anos de pandemia, inclusive as nossas próprias famílias. Conhecemos Morro Agudo que não conhecíamos, uma realidade de pobreza extrema que estava ao nosso lado o tempo todo, mas que nós não enxergávamos.

Foram momentos difíceis, mas não deixamos de praticar nossa arte.

Seguimos criando e nos reinventando

Migramos nossas atividades do presencial para o virtual durante a pandemia.

Em parceria com o NAV (Núcleo de Atenção à Violência) realizamos mais de 150 encontros do RapLab virtualmente, no projeto Oficina de Palavra, com jovens de diversas partes do Brasil, gravando dezenas de músicas, além de encaminhar alguns jovens para tratamentos psicológicos gratuitos; realizamos duas edições virtuais do Festival Caleidoscópio, uma delas patrocinada pelo Oi Futuro e pela British Council, onde pudemos fazer um intercâmbio com o rapper Mohammed Yahya, do Reino Unido; a outra patrocinada pela SECEC (Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro), através da Lei Aldir Blanc, onde pudemos fazer circular o recursos financeiros principalmente nas mãos de artistas e profissionais pretos, mulheres e LGBTQIA+; realizamos também o “Baixada Rap Festival” com recursos da Lei Aldir Blanc através dos editais da Secretaria de Cultura do Município de Nova Iguaçu.

Auxiliamos centenas de artistas da Baixada Fluminense, presencialmente e através das lives “Periferia Bem Maior”, onde contamos com o apoio de professores da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e do IFRJ (Instituto Federal Fluminense), para que os artistas da região conseguissem acessar os recursos da lei em seus municípios.
Criamos o “Acampamento Musical”, atividade que reúne jovens para a prática do rap, e realizamos diversos encontros no Quilombo Enraizados; demos vida ao nosso calendário externo e recebemos atividades de nossos parceiros, como um encontro de lideranças organizado pela Casa Fluminense; integramos o juri global do The Mic Africa, um reality show de rap realizado com artistas de dez países do continente africano (Etiópia, Gana, Quênia, Ilhas Maurício, Marrocos, Nigéria, Ruanda, Senegal, África do Sul e Tanzânia); realizamos o tradicional encontro de artistas chamado Dia da Rima; e por fim estabelecemos parcerias com algumas empresas, onde conseguimos “empregar” alguns dos nossos, e mesmo em meio a tanta adversidade conseguimos fazer algum dinheiro circular entre nós.

Essas são algumas das nossas realizações durante a pandemia. Consideramos necessário contar essas coisas boas porque foram muitas as coisas ruins que aconteceram durante esse período, e as coisas ruins costumam ter mais visibilidade e às vezes um peso maior. Sofremos com a perda de pessoas próximas, mas temos a certeza que ajudamos a salvar muitas vidas, e tornamos mais leves as vidas de muitos, isso porque atuamos juntos!

Novo ciclo

Acreditamos que 2022 será um ano onde se iniciará um novo ciclo, um ano de rompimentos significativos, um ano de renovação.
E estamos aqui para falar das nossas intenções para essa nova fase e convidar vocês a fazerem parte desse nosso novo momento, com novas conexões e vôos ainda mais altos, mas sem tirar os pés do chão, sem deixar de lado a nossa essência e os nossos valores.

O Quilombo Enraizados tem sido percebido em todo o Estado do Rio de Janeiro como um lugar de potência, de união, de afeto e acolhimento, prova disso são os cinqüenta e seis pedidos que recebemos solicitando autorização para a realização de atividades no nosso quintal durante este ano de 2022. São 56 pedidos que vieram não somente da Baixada Fluminense, mas de artistas e grupos culturais de diversas partes do Estado do Rio de Janeiro.

Entendemos então a importância do Quilombo Enraizados como um necessário equipamento cultural do Estado do Rio de Janeiro, parte por nossa atuação nesses 22 anos, mas também pela escassez de espaços para práticas culturais em diversas periferias do Estado. Entendemos o Quilombo Enraizados também como um importante espaço de educação não formal.

Por isso, uma das nossas metas para 2022 é avançar em variadas frentes. Iniciamos as obras para construir o nosso tão sonhado estúdio, uma das solicitações mais frequentes dos jovens artistas da cidade, apostando que esse estúdio será um divisor de águas, não somente para nossas produções artísticas, mas para toda a cena musical independente da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Estávamos nos preparando para anunciar a volta do Sarau Poetas Compulsivos em março deste ano, mas com essa alta no número de casos de COVID-19, a gente recuou e decidiu deixar pra dar essa notícia mais pra frente, mas temos outras notícias tão significativas quanto.

Estamos iniciando também outras pequenas obras no Quilombo Enraizados, uma delas é de uma sala onde serão as aulas do nosso CURSO POPULAR MÃE BEATA DE IEMANJÁ, um projeto que está sendo desenhado numa parceria inédita entre nós do Instituto Enraizados, o PerifaZumbi e um grupo de professoras parceiras. As aulas do curso estão programadas para iniciar no primeiro semestre deste ano.

O nosso espaço híbrido Café com Livros (biblioteca, loja, doceria, bar e office services) será reinaugurado em breve; continuaremos com os encontros mensais do Acampamento Musical; voltaremos com o Cine Tela Preta às quartas; com o Sarau Poetas Compulsivos no primeiro sábado de cada mês (assim que possível); oficinas de hip hop e teatro; cursos de produção cultural e audiovisual; rodas de conversa.

Todas essas atividades fazem parte dessa nossa nova fase e estão conectadas a um sonho antigo, um sonho de tornar o Quilombo Enraizados um espaço autosustentável, um espaço capaz de desenvolver estratégias que busquem promover a inovação sociocultural e difundir a cultura cultura urbana como promotora de conexões e relações sociais capazes de ampliar o alcance dessas inovações.

Nossas experiências nesses dois anos de pandemia nos comprova que esse ecossistema sociocultural já existe de forma orgânica, e nos propomos a sistematizá-lo afim de potencializar nossas ações num conjunto dinâmico de relações, serviços mútuos e interdependências que ampliam nossa probabilidade de sobrevivência enquanto artistas periféricos.
O grande desafio de todo espaço cultural, como o nosso, é a dificuldade de captar recursos para honrar os compromissos diários, visto que contas como as de energia, internet, telefone, água etc, chegam religiosamente todos os meses, além de tarifa bancária, taxas, contador, entre outras. Por isso, a gestão dos recursos costuma ser um verdadeiro malabarismo.

Uma das principais formas de captarmos recursos para manter nossas atividades é através dos editais públicos, contudo é nítido que nos últimos anos os editais ficaram cada vez mais escassos, principalmente os federais, visto que o Ministério da Cultura se transformou em um secretaria sem recursos, nos fundos do Ministério do Turismo.

Para enfrentar esse grande desafio apostamos nas atividades culturais que iremos promover no Quilombo Enraizados nesse ano de 2022 , por isso convidamos cada uma e cada um de vocês para, assim que a pandemia nos der uma trégua, participar de nossas ações, adquirir nossos produtos, visitar nossa sede sempre que possível e participar do “Dia do Pix”, uma ação mensal onde todos podem colaborar com o Enraizados com quantias a partir de um real.

Banner Dia do Pix

Vocês são o combustível dessa nave cultural.
Estamos nos preparando para os próximos 22 anos e gostaríamos de ter você mais perto, pois há lugar para “quase” todos no Enraizados, como diz um provérbio africano: – “Somos como uma floresta, quando você está do lado de fora acredita que somos densos, quando está dentro, vê que cada árvore tem seu lugar”.

Nova Iguaçu, 14 de fevereiro de 2022.

Instituto Enraizados
Para mais informações basta acessar o nosso canal www.linktr.ee/InstitutoEnraizados.

Sobre Instituto Enraizados

O Instituto Enraizados é uma organização de hip hop, nossa "rede" integra hoje 17 organizações que compartilham conhecimento, capacitação e articulação para militância cultural nas periferias dos grandes centros. Lutamos pelo acesso a produção, a expressão e a valorização das diferentes manifestações culturais, fortalecendo o ativismo cultural e o protagonismo juvenil. O hip hop, o audiovisual, as rádios comunitárias e a produção de mídias são elementos que formam e fortalecem a ajuda mútua dos jovens envolvidos.

3 comentários

  1. Kelly aki parabéns primo Dudu e todos vcs do enraizados precisa da minha ajuda tô Aki vcs são o orgulho de comendador soares

  2. André de Jesus Saroba

    Queremos aqui na RESTINGA Porto Alegre somar a mais um Quilombo.
    Aqui somamos a associação Ponto de cultura Quilombo Sopapo um espalhou magnifico similar ao Quilombo Enraizados.
    E nós somamos ao Estação Cidadania (CEU) Restinga com a nossa organização Ponto de cultura Africanidade, série de coletivos que produzem junto as propostas de cultura, comunicação, econômica.solidaria, tecnologias, com a Pedagógica das Africanidades.
    André de Jesus (Sarob@).

  3. Muita luz na caminhada de cada projeto!!!

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