terça-feira, 5 novembro, 2024
DMA em entrevista para a galera do Periferia Invisível

Acontece cada coisa quando eu vou pra São Paulo

Era um dia normal, como outro qualquer. No Rio de Janeiro fazia uns quarenta graus, todo mundo reclamando da quentura. Eu era mais um a reclamar. Meu telefone toca. Eu imaginava que poderia ser algum problema para ser resolvido com urgência, e me tirar do conforto do meu inferno particular.

Era meu irmão Alessandro Buzo, me convidando para o II Festival Literário que ele iria produzir. Como de costume aceitei sem mesmo me informar de detalhes. Eu não sabia dia e nem horário, mas já havia me comprometido.

No começo do ano me articulei com alguns parceiros para trazer um curso de formação política aqui para Morro Agudo, fiz o contato com o palestrante, com os interessados, com os que iriam me ajudar na produção e quando tudo estava certo, eis que o Buzo me liga, me informando que o festival seria no dia 27 de janeiro, mesmo dia do curso, que seria nos dias 26 e 27 de janeiro. Fiquei entre a cruz e a espada, mas mais uma vez o Dumontt me salvou aos quarenta e cinco do segundo tempo e eu consegui voar para São Paulo.

DMA no show
DMA no show

Como eu estava indo sozinho, levei os meus equipamentos, que deu um caô danado no aeroporto, pois eu fiz uma case com uma caixa de sapatos, onde coloquei o retorno e o microfone, com seus respectivos receptores. Lacrei a caixa de papelão com aquelas fitas durex grossas, que depois que estão coladas, só saem rasgando a caixa.

Antes de passar no detector de metal, avisei que eu era músico e que haviam alguns equipamentos na mochila. Quando minha mochila passou, a mulher que estava averiguando o monitor fez uma cara de espanto, olhou para o guarda, o chamou e o guarda também fez uma cara estranha. Então o guarda voltou a me perguntar o que tinha na mochila. Eu falei de cada item, explicando inclusive para que servia. Falei do transmissor, receptor, antenas, fone, etc…

Mas eles passaram a mochila novamente, e uma terceira vez, até que ele não resistiu e pediu para eu abrir a minha case feita de caixa de sapato. Eu abri. Tirei um monte de jornal amassado, uma blusa que estava enrolando os receptores, uma toalha de rosto que estava enrolando o microfone, fios, fontes, fones…

Ele olhou no fundo dos meus olhos e disse: – Realmente, você é músico.
Eu: – Por incrível que pareça eu sou. Tenho cara de terrorista e/ou traficante, mas sou músico, como já havia dito para o senhor.
Ele: – Me perdoe senhor, mas é para a sua própria segurança.
Eu: – Minha seguraaaaaaança? Hehehe tudo bem.

Fiquei 15 longos minutos arrumando a case e a lacrando novamente.

Voei até São Paulo, andei de ônibus até o Tatuapé e depois mais 40 minutos até a Vila Císper. Cheguei cerca de 08 horas da manhã. O evento só começaria às 11, então aproveitei o tempo que me restava e fui tomar um café na padaria.

DMA com a rapa curtindo o Sarau
DMA com a rapa curtindo o Sarau

O tempo estava um pouco frio, temperatura normal de São Paulo. A padaria estava vazia, eu era o único cliente. Havia uma mulher atendendo e uma no caixa. Eu pedi um pão na chapa e um café. A moça simpática me serviu o café e preparava o sanduiche, quando um elemento entrou no recinto e parou  ao meu lado. Ele era mais baixo que eu, media cerca de 1.70, magro, pele clara, mas não chega a ser branco. Pediu dois pedaços de um doce que parecia um pudim e depois me olhou de cima a baixo, me medindo. Alguns segundo depois me olhou novamente, enfiou a mão no bolso e…

Nesse momento eu pensei: – Fuuuuuuuudeu!!! Esse doido vai querer me assaltar a essa hora da manhã?

Eu estava de óculos escuros e meu telefone estava em cima do balcão, eu estava com os fones em um dos ouvidos, ouvia rap, sentado, mas nessa hora eu levantei. O cara tirou um objeto de um dos bolsos do casaco e disse:

– E aê meu, te interessa?

Eu respondi: – Não!

Ele: – É prata.

Eu: – Obrigado, mas eu não quero.

Ele: – Tudo bem então.

Quando eu achei que tudo estava resolvido, entra um outro cara na padaria. A atendente simpatica, que já havia me entregado meu sanduiche, fazia umas caretas, como se quisesse me alertar que aqueles caras iriam me roubar. Mas já estava claro que isso iria acontecer alguma hora.

Galera observando o Sarau
Galera observando o Sarau

O cara que entrou cochichou com o que havia me oferecido a pulseira de prata, pegou o doce que sobrara, deu a volta e sentou do meu outro lado. Me mediu também. Esse era mais baixo que o primeiro e bem mais magro, porém se estivesse com um revolver de nada adiantaria o porte franzino dele, seria um bicho feroz com a arma na mão.

Ele fez as mesmas coisas que o primeiro e quando enfiou a mão no bolso, ele saiu com um smartphone da Samsung.
Me deu toda a descrição do telefone, o bandidinho era um verdadeiro geek.
Ele disse: – Te interessa?
Eu olhei e respondi: – Não!
E ele: – Esse é um Galaxy Note II, tem bluetoothm wi-fi, tela de cinco polegadas, camera de 8 megapixel e a bateria aguenta 19 horas de conversa.
Ele completou: – É melhor que Iphone.

O detalhe é que meu iphone eu tinha acabado de colocar no bolso.

Eu respondi: – Não obrigado, não me interessa.

Eles levantaram, cochicharam novamente e foram para a porta de saída. Sim, na padaria da Vila Císper ter uma porta para entrar e uma porta para sair. O caixa fica entre as duas portas. Eu perguntei quanto era minha conta, a caixa disse que era R$2,50, eu paguei dez reais e nem peguei o troco. Saí pela porta de entrada, atravessei a rua e entrei em uma igreja que havia na frente da padaria, por sorte era nesta igreja a sede do Periferia Invisível. Lá de cima da igreja eu pude observar que os rapazes voltaram para dentro da padaria para me procurar, mas eu estava a salvo na casa do Senhor.

DMA, Buzo e Evandro Borges
DMA, Buzo e Evandro Borges

Às 10 horas começaram a chegar os manos. Tudo foi um sucesso, do jeito que deveria ser. Falei um pouco sobre o meu livro, cantei, comprei o livro de uma galera que estava presente. Reencontrei os amigos da DGT (Tony Nogueira e Gagui), reencontrei o Sacolinha, o Da Antiga e o Zinho Trindade, conheci a molecada do Periferia Invisível, conheci uma galera que tá movimentando ao cena literária em São Paulo, como Rodrigo Ciríaco, Victor Rodrigues, Francis Gomes, Coletivo Marginaliaria e Mano Cakis. Ainda assisti a maravilhosa peça do Emerson Alcalde, “O Boneco do Marcinho”.

Depois cantei, a galera participou comigo e ainda pediram BIS, não o chocolate, pediram para eu cantar mais uma.

Com a missão cumprida, fomos eu, Alessandro Buzo e sua esposa Marilda Borges, rumo ao Itaim Paulista, onde buscaríamos o filho deles, Evandro Borges e depois iríamos para a casa deles, que fica na Casa Verde, fazer um churrasco e papear sobre o evento, mas…

… o Alessandro Buzo bateu com o carro cerca de um quilometro depois que saímos do evento.

Acontece cada coisa quando eu vou pra São Paulo.

VIDEORREPORTAGEM DO PERIFERIA INVISÍVEL

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GALERIA

 

Sobre Dudu de Morro Agudo

Rapper, educador popular, produtor cultural, escritor, mestre e doutorando em Educação (UFF). Dudu de Morro Agudo lançou os discos "Rolo Compressor" (2010) e "O Dever Me Chama" (2018); é autor do livro "Enraizados: Os Híbridos Glocais"; Diretor dos documentários "Mães do Hip Hop" (2010) e "O Custo da Oportunidade" (2017). Atualmente atua como diretor geral do Instituto Enraizados; CEO da Hulle Brasil; coordenador do Curso Popular Enraizados.

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