segunda-feira, 4 novembro, 2024

GB Montsho: Reflexões sobre educação clandestina e formação política no RapLab

Paulo Gabriel Queiroz Pereira, conhecido como GB Montsho, tem 23 anos de idade, iniciou no RapLab em 2016, com 15 anos de idade. Morou em Nova Iguaçu, Pavuna, e atualmente reside em Anchieta. É estudante de Letras na UFRRJ, em Nova Iguaçu, onde faz parte do diretório estudantil. Além disso, é rapper e poeta.

GB tornou-se uma figura central em minha pesquisa porque, além de ser um jovem que está há quase uma década participando do RapLab, esteve presente em 130 dos 150 encontros que realizamos, sendo responsável por trazer muitos dos jovens participantes, incluindo os outros dois personagens com quem conversei: Debrah e Jatobá. Minha conversa com GB ocorreu em 31 de março de 2024 e está transcrito abaixo.

GB Montsho duranta apresentação no evento Baixada Rap Festival, onde foi o campeão.

Fale um pouco sobre você?
Bom, sou GB Montsho, tenho 23 anos e nasci em Nova Iguaçu, mas atualmente moro em Anchieta.
Acredito que hoje sou alguém que busca apenas viver tranquilo, tá ligado? Sou um cara que faz seus corres na política, faço parte do movimento negro e também do movimento estudantil. Além disso, sou estudante de Letras na UFRRJ, trabalho na área de revisão de texto e faço parte do diretório estudantil da minha universidade.

Além disso, dedico parte do meu tempo à escrita de poesias.
Mas na prática, eu quero estar movimentando pessoas, para que possamos alcançar uma vida tranquila para todos. Porque acredito que não podemos simplesmente ignorar. A gente não consegue mais passar batido hoje. São vários atravessamentos.

E a escolha que fiz de ser um cara do hip-hop, que busca conscientização, faz com que esses atravessamentos doam mais. Eles se tornam mais evidentes, pois não há como ser do hip-hop e não mudar sua maneira de agir perante o mundo. Não apenas em pensamento, mas também em seu comportamento nas ruas. É uma parada que te persegue. Acho que eu sou um cara normal, um estudante, um trabalhador.
Um estudante que se esforça para conseguir se manter na universidade, enfrentando muitas dificuldades. Que está indignado e deseja ter uma vida normal. Que não é essa vida que está colocada aí pras pessoas.

Você se lembra da primeira vez que participou do RapLab?
A primeira vez foi em 2016, na Arena Jovelina Pérola Negra, na Pavuna, eu tinha 15 anos.

E como é que você ficou sabendo da atividade?
Foi através do Inbute. Eu lembro que comecei a querer fazer rap aos 14 anos, então me juntei com a galera que tinha um grupo de rap de São João de Meriti. Fui a um evento na Pavuna, que ocorreu no Museu do Graffiti lá.

Se não me engano, o RapLab era às quartas-feiras, e o evento era às terças. O Inbute disse que haveria algo na Arena na quarta-feira, e eu comecei a participar.
Por acaso foi quando a gente estava para fazer o rap “Rio 2017”, um rap que fizemos em 2016, falando sobre 2017. Se eu não me engano era um rap de um projeto específico.

Naquele dia, conheci muita gente, o Marcão (Baixada) estava indo para o RapLab, o Léo da XIII, a rapaziada toda. E esse RapLab foi mais cheio, porque era uma parada da Casa Fluminense, era um projeto específico.
A partir daí eu estava sempre presente. Toda quarta-feira que tinha RapLab na Arena, eu estava lá.

 

O que te motivou a frequentar o RapLab com tanta assiduidade naquela época e a continuar indo?
Pra mim, especificamente, foi primeiro o lance da experiência, porque eu já tinha interesse em fazer rap. Não entendia exatamente para que o RapLab era voltado, por exemplo.
O RapLab, na maioria das vezes, é feito com a galera mais crua do rap do que com quem de fato faz a parada. Eu não sabia exatamente o que era, mas sabia que era uma parada de desenvolvimento do rap, que era de graça, e que tinha a possibilidade de eu me desenvolver em alguma coisa, de gravar música e tal.

Só que quando eu chego lá e vejo uma rapaziada que entendia da parada, aí eu falo: – ‘Mano, vou continuar vindo nessa parada aqui’.
Primeiro, porque era legal, isso era um elemento. Nessa época, eu estava morando na Pavuna com a minha mãe, e aí, na quarta-feira à noite, eu não tinha nada para fazer, então era algo para eu fazer ali. Era uma galera legal, e fazendo rap.

Como eu queria viver disso, na época queria ser rapper, queria ser famoso, toda essa história. Porque a gente achava que ia começar a fazer rap e deslanchar. Eu achava que a galera tinha muito para ensinar, e tinha mesmo. Lembro que quando o Marcão (Baixada) ministrava as oficinas, ele dava várias dicas de como encaixar o flow na música, aquelas coisas que eu não sabia. Acho que essas coisas, principalmente, fizeram com que eu continuasse.

Como foi que você começou a participar desse projeto durante a pandemia?
Primeiro foi essa parada do Jatobá, porque mandei mensagem no grupo em que ele estava. Lembro que o Dorgo me enviou uma mensagem falando sobre um projeto. O Dorgo me disse assim: – ‘Pô, mano, a gente queria fazer com adolescentes, de 15 a 20 anos.’ Então, mandei nos grupos, e foi nessa que veio o Jatobá.

Só que lembro que eu fazia os corres das cestas básicas e vivia no Quilombo Enraizados durante o dia. Como era pandemia e eu não tinha internet em casa, usava a internet do Enraizados. E assim fui ficando.
Lembro que eu era o único que fazia o RapLab de dentro da sala com vocês. Eu ia para o Enraizados para participar do RapLab. Não participava de casa.
E aí foi indo, tá ligado?

GB Montsho, Baltar e Dorgo, durante os encontros do RapLab.

 

E aí você foi ficando?
É… Eu fui ficando. Primeiro, porque acho que durante a pandemia houve o ponto alto do lockdown. Conforme ele foi se afrouxando, porque as pessoas precisavam trabalhar e várias outras coisas nesse sentido.
A cabeça das pessoas foi ficando muito loucas também, né? E tem isso, eu não ia simplesmente, mas eu participava presencialmente também.

Isso se devia à nossa troca de ideias antes do RapLab. Às vezes começávamos trocando ideias antes do RapLab, depois íamos para o RapLab, e depois a troca de ideias continuava.
Às vezes, essa troca de ideias se estendia até tarde. Lembro que era uma correria para pegar o último ônibus, porque os horários dos ônibus estavam limitados até as 21h30, devido à pandemia.

Acho que esse espaço para trocar ideias era muito interessante, porque a gente ficava filosofando. Era mais do que apenas discutir sobre rap. Houve dias em que, conforme o lockdown foi afrouxando e as mentes das pessoas ficavam agitadas, as coisas voltavam ao normal. Tive a sensação de que a participação no RapLab diminuiu. Então, íamos atrás das pessoas, e elas voltavam a frequentar novamente.

Mas esvaziava de novo. Nos dias em que estava mais vazio, às vezes a gente nem conseguia fazer rap. Mas tínhamos a troca de ideias, que era como filosofia, mas a gente podia falar sobre… sei lá, por que Malcolm X não escreveu um livro?

Falar de coisas profundas e até de uma coisa completamente “não profunda”, e falando de forma profunda de uma coisa “não profunda”. Então, eu acho que era uma coisa que deixava sempre as ideias fluindo ali.
Acho que também era uma espécie de ócio criativo, porque normalmente não temos tempo para pensar. Parece que quando estamos pensando, refletindo, maquinando algo, não estamos fazendo nada de concreto, estamos desperdiçando tempo que poderia ser utilizado para produzir algo material.

Para algumas pessoas, produzir pensamentos não é o mesmo que produzir algo material, sabe? E acredito que o RapLab era uma forma de conseguirmos produzir pensamentos sem nos sentirmos culpados.
Porque todos nós tínhamos várias coisas para fazer, mas no RapLab, acreditávamos que estávamos produzindo algo, que estávamos fazendo rap e, ao mesmo tempo, essa produção era a troca de ideias.

E não necessariamente algo muito bom surgiria dessa troca de ideias. Isso também era algo incrível. Porque não precisávamos necessariamente fazer um rap excelente em cada RapLab. Só precisávamos fazer as palavras rimarem uma com a outra, e isso já era suficiente. Mas a partir daí, várias outras ideias muito boas surgiam.”

GB Montsho se apresentando no Festival Caleidoscópio.

 

Dentre os 156 encontros, três temas foram os mais discutidos. O terceiro lugar ficou com a ‘questão racial’, algo relacionado à questão racial. Foram cerca de 20 encontros em que falamos sobre esse assunto. O segundo lugar foi ‘resistência’. E o primeiro lugar, correspondendo a dois terços dos encontros, foi sobre ‘luta de classes’.
Por que você acha que discutimos tanto sobre luta de classes durante esse período?”
Eu até pensei que o primeiro lugar seria a questão racial, mas faz sentido ela estar em terceiro, especialmente devido à composição da galera que frequentava o RapLab. Havia muitas pessoas negras, mas era um grupo bastante diverso.
Uma coisa se destacava em relação à outra, mas as questões estavam interligadas.

E eu acho que o motivo de termos falado tanto de “luta de classes” foi justamente porque era uma coisa que unificava geral.
Como as histórias com o Jatobá. A gente vinha com um papo e o Jatobá vinha com uma reflexão totalmente diferente, da vivência dele em Rocha Miranda. E aí tinha isso, a galera da Baixada tinha outra ideia.

Por exemplo, o Dorgo e o Baltar eram de Morro Agudo; eu era do Carmari, e estava frequentemente em Morro Agudo; tinha a RVN, que era de Xerém; o Jatobá, de Rocha Miranda; o PS, de Saquarema.
Só que essa questão de ser pobre era o que impactava a todos, inclusive para manter a estrutura do RapLab funcionando. Quantas vezes foi difícil realizar o encontro porque a internet do Jatobá estava ruim?

Então, acho que isso também mostra que era uma galera muito consciente de todo o contexto em que vivíamos. Conseguíamos entender que havia um motivo para as coisas acontecerem daquela forma. Não éramos uma galera acomodada com a ideia de ser pobre. Compreender que éramos pobres porque, por exemplo, a qualidade dos alimentos que consumíamos era muito ruim, era apenas reconhecer o óbvio.

Eu acho que também éramos uma galera sedenta por conhecimento, que pensava: – ‘Ah, sou pobre, mas por que sou pobre? O que eu posso fazer a partir do momento em que entendo como pobre?’
E é por isso que acho que faz sentido esse top 3 dos temas: luta de classes, resistência e a questão racial.”

O que é formação política, no seu entendimento?
Então, no meu entendimento, acredito que a formação política segue o mesmo caminho do letramento racial. Não apenas no que diz respeito à questão racial, é claro, mas considero que alguém que possui letramento racial também possui uma formação política em relação a essa questão.

Uma pessoa com letramento racial sabe que é negro, reconhece as injustiças raciais que enfrenta e entende que o sistema pode não ser favorável a ela. Isso é parte do letramento racial.
Por outro lado, alguém com formação política não só vai entender essas coisas, como vai ser um sujeito ativo. Não vai somente entender que é negro e que enfrenta injustiças, mas vai procurar se mobilizar com outras pessoas ao seu redor, trocar ideias e trabalhar em conjunto para encontrar maneiras de combater o racismo.

Se tornará um sujeito ativo, buscando articular formas de mudar essa situação. E eu acredito que isso está totalmente relacionado ao estudo da questão racial, por exemplo, ter conhecimento de causa. Não basta apenas confiar na própria experiência; para ter formação política, é essencial compreender também as vivências das pessoas ao redor.

Para isso, é preciso minimamente ouvir, ler, conviver com pessoas diferentes que possam contribuir com essa formação ao longo da vida.
Além disso, esse processo não acontece de uma hora para outra. Não basta frequentar um curso de formação política e se considerar formado. É um processo contínuo de aprendizado, de entender outras perspectivas, de conhecer mais.

Dudu de Morro Agudo e GB Montsho durante esta conversa.

 

Você mencionou algo aqui certa vez que realmente me deixou intrigado, e desde então tenho refletido sobre isso com frequência: o que é exatamente a Educação Clandestina?
A Educação Clandestina é uma forma de educação não formal. Fico pensando que é chamada de clandestina porque, de certa forma, é oculta ou restrita. Não é oficialmente proibida ou institucionalmente reprimida nos dias de hoje. Não há proibição oficial de adquirir livros de autores como Clóvis Moura ou Abdias do Nascimento.

Mas, ao mesmo tempo, em algum momento, já foi assim. Certos tipos de estudos que realizamos já foram considerados subversivos. Acredito que é nesse sentido que se encaixa o conceito de Clandestino.
Apesar de precisarmos de um ensino formal devido à estrutura do sistema em que vivemos, onde é necessário ter uma formação formal para conseguir um bom emprego e desenvolver uma carreira, o conceito de Clandestino permanece relevante.

Pois, para conseguirmos nos desenvolver enquanto seres humanos, precisamos da educação clandestina, pois o ensino formal tem suas limitações e ele é historicamente negado para nós. Na escola, aprendemos a ler, porém não desenvolvemos plenamente habilidades como raciocínio crítico e interpretação dos significados implícitos. Acredito que isso é função da educação clandestina, e eu acredito que essa educação clandestina precisa ser desenvolvida entre nós.

Eu penso muito sobre a educação popular, especialmente sobre aqueles que utilizam métodos freirianos para alfabetização. Acho isso uma coisa incrível. Embora eu já tenha lido sobre Paulo Freire, nunca havia presenciado na prática o processo de alfabetização, a galera alfabetizar um pedreiro falando sobre ele ser pedreiro, os caras falam de reforma agrária.

O que você diria para um jovem para participar de uma atividade do RapLab?
É desafiador, porque acredito que depende do contexto em que eu estaria com esse jovem.
Penso que o RapLab cumpre diferentes funções sociais. Ele proporciona um espaço de socialização, onde as pessoas podem trocar ideias e fazer amizades.

Além disso, serve como um espaço de educação, ensinando fundamentos básicos para aqueles que desejam se tornar MCs. É impressionante como o RapLab consegue ensinar fundamentos básicos de como ser um MC que faz total diferença.

Se observarmos as pessoas que passaram pelo RapLab, como o Inbute, por exemplo, podemos perceber que a maneira como elas trabalham na música hoje é completamente diferente daquelas que não passaram pelo projeto.

Porque essas pessoas tiveram uma rede de outras pessoas que ensinaram como fazer rap, como mardar um flow, e isso não era a função do RapLab, não está no programa do RapLab fazer isso. Mas as pessoas fazem. Você consegue aprender outras coisas, porque você não vai se prender só naquilo que é o objetivo central, tem outras coisas que atravessam.

Acho que depende muito de onde esse jovem vem. Mas, de modo geral, eu diria que o RapLab é um lugar onde ele pode aprender de uma maneira muito diferente da escola. No RapLab, o aprendizado não é abordado da mesma forma que na escola. Ele vai ter gosto por aprender, tá ligado? E ele vai trocar ideia com gente que é igual a ele, o que torna a experiência divertida.

Não é um aprendizado chato. Muitos jovens associam educação à chatice. Eles pensam: – “Vou para a escola, que chato”. No entanto, no RapLab, a mentalidade é diferente: “Cara, vou lá aprender e isso vai ser muito legal, além de estar com uma galera bacana”.

GB nos encontros para a gravação das músicas do RapLab

 

Como você convenceria a diretora de uma escola? Você usaria os mesmos argumentos que usou com o estudante?
Então, para a diretora, acho que já vai ser diferente.
Para a direção de uma escola, o RapLab representa uma oportunidade valiosa para enriquecer a experiência educacional dos alunos. Primeiramente, muitas escolas enfrentam limitações no acesso a atividades culturais, e isso faz falta no currículo de formação de um estudante.

E eu acho que só esse elemento já é o suficiente para uma pessoa querer ir RapLab na sua escola. O RapLab é uma iniciativa que aglutina todos os estudantes. Onde todos os estudantes tem oportunidades de aprender conforme o seu tempo. Desde os mais reservados e tímidos até os mais extrovertidos e barulhentos, o RapLab consegue alcançar todos os alunos.

Quando estamos envolvidos no RapLab e percebemos que há um aluno mais retraído, conseguimos incentivá-lo a participar através da atmosfera criada no ambiente, estimulando-o a se expressar.
Eu não me lembro de um RapLab em que alguém não tenha falado; pode ter ocorrido, mas não me recordo. E o que aquela pessoa diz, as outras não encaram como algo determinante, entende? Porque o RapLab não busca ser certo ou errado, ele simplesmente existe. Portanto, as pessoas se sentem mais à vontade para expressar suas opiniões, pois há espaço para o contraditório.

Existe espaço para você dizer que essa parede é azul, outro afirmar que é amarela, e ainda outro argumentar que é vermelha, e então discutir sobre isso. Por essa razão, acredito que o RapLab é capaz de reunir todos os tipos de estudantes, desde os mais agitados até os mais reservados, desde aqueles com dificuldades de alfabetização até os que têm mais facilidade nessa área. o RapLab consegue aglutinar todos eles.

Isso já é argumento suficiente para um diretor querer o RapLab em sua escola.

Saiba mais sobre o GB:
https://www.instagram.com/gabrielgb.up

Sobre Instituto Enraizados

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